A chuva, que já era forte, caiu de forma cada vez mais implacável, lavando os destroços do campo de batalha e transformando a paisagem devastada em um cenário ainda mais sombrio, melancólico e desolador. Kanemori, encharcada, seus cabelos grudando na testa e a maquiagem tragicamente borrada, observava a imensidão diante dela. Onde antes eram construções belíssimas e prédios imponentes, agora restavam apenas escombros onde quer que seus olhos alcançassem. Quarteirões inteiros foram obliterados, transformados em ruínas, tudo engolido pela fúria do combate que havia se desenrolado ali, e o ar carregava o cheiro metálico de sangue.
O sentimento de desolação a envolvia, e, à medida que seus olhos percorriam a destruição, uma tristeza profunda aflorava em seu peito. Ela se agachou perto de seu irmão, Kirihara, cuja respiração irregular a mantinha em alerta, observando com tristeza a situação deplorável em que ele se encontrava. Ele estava gravemente ferido. Seu corpo coberto de queimaduras severas e seu braço decepado ainda sangrava, enquanto ela começou a tratar seu irmão com os poucos conhecimentos médicos que possuía, usando o que restava de suas forças para tentar estancar o sangue que não parava de escorrer. Suas mãos tremiam levemente, não só pela dor física, mas pela dor emocional que a situação lhe impunha.
Ela sabia que as marcas resultantes da batalha, físicas e emocionais, seriam permanentes. Kirihara havia sido o grande orgulho do clã Ugatsu, desde o momento em que despertou ainda muito jovem a habilidade única de aclimatação, uma técnica rara e essencial para a sobrevivência do clã. Mais que isso, ele alcançou uma transformação de natureza avançada, rara e imbatível, que o fez vencer inúmeras batalhas e defender com força e poder a existência do seu clã. Agora, estava limitado a uma sombra de si mesmo. As queimaduras espalhadas por sua pele seriam uma lembrança eterna do confronto com a reencarnação do demônio da névoa oculta, um inimigo que ela sabia ser formidável e brutal.
— Você sempre foi tão orgulhoso. — Murmurou, seus olhos se enchendo de lágrimas silenciosas.
Com um gesto suave, ela deslizou o dedão pelo corte que se abriu na comissura dos lábios de seu gêmeo. Ele estava desfigurado, parte dos seus dentes expostos pela ferida. O olho esquerdo estava gravemente ferido e, muito provavelmente, ele ficaria cego daquele lado.
Ela sentiu o peso esmagador da culpa e da responsabilidade. E a cada vez que ela passava os dedos sobre as cicatrizes e feridas de Kirihara, lembranças de batalhas passadas ecoavam em sua mente, e o sentimento de impotência começava a se instalar em seu peito, por mais que não tenha partido dela as decisões tolas que o levaram aquele destino cruel.
Ela sentiu a presença de Yukio ao longe, sua energia tensa e ansiosa. Ele estava cavando freneticamente em meio aos escombros, tentando localizar Inoue, preso debaixo dos destroços. O rapaz estava desesperado, escavando com as próprias mãos, ignorando tudo ao seu redor. Kanemori inspirou por um momento e olhou para Kirihara uma última vez, antes de se aproximar de Yukio. Ele não parecia sequer notar sua presença, absorvido em sua missão, quando ela encostou a mão em seu ombro.
Tentando oferecer ajuda, ela se ajoelhou ao lado dele, estendendo a mão. — Deixe-me ajudá-lo.
Yukio a ignorou, seu rosto distorcido pela raiva e desespero. Ele não queria sua ajuda, não naquele momento, não depois de tudo o que havia acontecido. Na primeira tentativa de ajudá-lo, ele apenas balançou a cabeça em negativa, recusando a oferta. Na segunda tentativa de Kanemori, ele a empurrou com força, um gesto brusco e cheio de raiva, mas sua força era inconsistente, debilitada pelo desespero.
— Eu não preciso de você! — Ele comentou, sua voz rasgando o ar, mas sem a verdade de quem realmente acreditava nisso.
Na terceira vez em que ela se aproximou, Yukio ameaçou Kanemori com seu equipamento de jatos de oxigênio, mas ela não recuou. Em vez disso, imóvel, com os olhos fixos nos dele, até que, finalmente, ele desmoronou emocionalmente. Yukio começou a chorar, suas lágrimas se misturando com a chuva pesada, e sua resistência se desfez. Seu corpo tremia de exaustão, física e emocional.
Kanemori, em silêncio, se ajoelhou ao lado dele. Juntos, nenhuma palavra a ser dita, conseguiram remover os pedaços de destroços que cobriram Inoue, pedra por pedra, metal retorcido por metal retorcido, enquanto o cheiro de sangue e morte os envolvia. Entre os escombros, corpos de subordinados do Soga apareciam, muitos deles vestidos de branco, agora cobertos de sangue, esmagados pelas construções que deveriam protegê-los. Eles ficaram presos no fogo cruzado, soldados sem sorte que não obtiveram a autorização para evacuar a tempo.
O silêncio entre eles era interrompido apenas pelo som da chuva e pelo ocasional grunhido de esforço. Depois de algum tempo, eles finalmente encontraram Inoue, seu corpo preso sob uma pilha de detritos, com o rosto pálido e ensanguentado. Yukio caiu de joelhos, exausto, enquanto Kanemori imediatamente começou a prestar os primeiros socorros, utilizando seus conhecimentos médicos para estabilizar sua condição. Havia feridas profundas, fraturas visíveis, mas o coração de Inoue ainda batia, embora fraco.
— Ele vai ficar bem. — Murmurou ela, mais para si mesma do que para Yukio.
Ela limpou e fechou as feridas, enquanto Yukio, ainda choroso, olhou para o corpo frágil daquele que ele tinha como seu mentor. Após o tratamento, ela também cuidou de um corte profundo no rosto de Yukio, que sangrou incessantemente desde a luta contra a Uzumaki.
Com Inoue estabilizado, eles se dirigiram em silêncio até a área onde Manoma, outro jovem e talentosa membro do clã Ugatsu, foi aprisionada em uma formação de gelo. A cena que se desdobrou diante deles, no entanto, foi mais um golpe brutal. Suas mãos experientes examinaram o corpo frio, e seu coração afundou ao perceber que Manoma não havia sobrevivido. Mais uma vida perdida por decisões insensatas. Uma vítima das circunstâncias, alguém com tanto potencial, agora perdida para sempre.
A culpa e a raiva se misturaram em seu peito, uma dor profunda e difícil de suportar. Seus olhos começaram a se nublar de tristeza quando, de repente, seus reflexos aguçados a alertaram de algo. Um guarda-chuva foi lançado em sua direção, que ela interceptou no ar com reflexos rápidos, agarrando-o com facilidade.
Ao longe, emergia uma figura familiar: Yume, sua mãe. A velha senhora mantinha o semblante impassível de sempre, mas, Kanemori, como uma especialista em assassinatos, não deixou de notar pequenos detalhes que escapariam à maioria. O coração descompassado, os olhos perdendo foco, a respiração levemente alterada e o tremor sútil nas mãos da mulher revelaram a ansiedade e o desespero que Yume escondia por trás de sua fachada.
— Mãe?! — Kanemori murmurou, abaixando o guarda-chuva.
Yume manteve o silêncio por um momento, seu olhar fixo em sua filha. As palavras não eram necessárias. Kanemori sabia que, por trás daquela fachada, sua mãe estava inquieta, compartilhando de sua dor e preocupação. Essa batalha deixou cicatrizes não apenas no corpo de seu irmão, mas também nas almas daqueles que estavam ao seu redor.
Agora, à medida que a chuva caía com mais força, a sensação de perda e arrependimento era quase tangível. E, enquanto a chuva continuava a cair implacável, o silêncio entre mãe e filha era o único som além da batida incessante da água contra os escombros.
........
A bordo da embarcação envelhecida e em péssimas condições, o clima muda drasticamente quando o misterioso rapaz de cabelos e olhos perolados, entra em ação. Com um movimento gracioso, ele sopra uma bolha de sabão gigante que rapidamente envolve toda a embarcação. A superfície da bolha, inicialmente translúcida, começa a adquirir uma tonalidade opaca, enquanto se eleva suavemente ao céu, flutuando acima do porto de Amegakure. Por dentro, a visão externa é bloqueada, como se uma névoa espessa encobrisse a realidade ao redor. Por fora, a bolha faz algo ainda mais impressionante: começa a dobrar a luz ao seu redor, apagando completamente a presença da embarcação e de tudo o que ela contém. A sensação de desaparecer no meio da chuva constante era estranhamente claustrofóbica, mas ao mesmo tempo surreal, como se o mundo exterior deixasse de existir.
Soga, reclinado em sua espreguiçadeira, observava o espetáculo com seu habitual sorriso cínico no rosto, saboreando mais um gole de chá. Ele quebrou o silêncio com uma risada rouca e assombrosa, aproveitando a oportunidade para esclarecer à dupla quem era o enigmático rapaz.
— Este é Chárōn. — Começou ele, gesticulando com leveza. — Ele não é tão jovem quanto aparenta. Uma peça antiga no grande tabuleiro de jogos de poder de Amegakure. Um sobrevivente das purgações de Nagato... aquele a quem muitos chamaram de Deus. Chárōn é, de certo modo, uma sombra entre as sombras.
Chárōn, por sua vez, permaneceu impassível, focado em sua tarefa. A bolha gigante que envolvia a embarcação distorcendo a luz ao redor, apagando completamente sua presença do mundo exterior. De fora, a embarcação e todos a bordo se tornaram invisíveis, ocultos em uma barreira impenetrável.
Soga continuou, detalhando a história do rapaz. — Durante a era de Hanzō, Chárōn foi um dos membros mais temidos do batalhão pessoal do Salamandra. Quando Nagato decidiu que todo aquele que já servira a Hanzō deveria desaparecer... ele foi o único de uma era já esquecida a escapar do julgamento de Deus. Suas habilidades de ocultação sobrenaturais permitiram que ele se escondesse por anos, além dos olhos de Deus, até que Deus não estivesse mais entre nós.
O tom de Soga era casual, quase como se estivesse contando uma história trivial, mas a tensão no ar era palpável. Chárōn, por sua vez, ouvindo sua história ser narrada, soprou uma série de bolhas menores que se espalharam pelo interior da embarcação, suas superfícies refletindo a luz de forma hipnótica. Cada uma delas flutuava com uma leveza etérea, mas à medida que se moviam, algo peculiar começava a acontecer. Marcas iridescentes apareciam na superfície de algumas bolhas, palavras se formavam em suas superfícies, como "禁" (Kin, Proibido).
O que aconteceu em seguida, no entanto, causou uma reação imediata em Karin. Ela ficou rígida, seus olhos se arregalando de surpresa e um certo medo tomando conta de suas feições. O que quer que Chárōn estivesse fazendo, afetou diretamente suas habilidades sensoriais, uma parte essencial de sua natureza shinobi.
— Eu... não consigo sentir nada! — Disse ela, sua voz tensa, enquanto seu corpo entrava em um estado de alerta máximo. Karin, que até então havia mantido sua habilidade sensorial ativa, mesmo com um alcance limitado, não conseguia mais sentir nada. Nenhuma presença, nenhuma assinatura de chakra. Era como se o mundo sensorial ao seu redor tivesse sido apagado por completo.
Era a primeira vez em muito tempo que sua habilidade sensorial falhava de forma tão abrupta e total. Sua respiração ficou mais curta, e o desconforto rapidamente se transformou em tensão. Karin olhou em volta, tentando entender o que estava acontecendo, mas nada além da opacidade da bolha e do silêncio enervante a rodeava. Tudo parecia inócuo demais, mas o fato de sua percepção sensorial estar completamente bloqueada a deixava intimidada. Suigetsu, notando a mudança em sua parceira, lançou um olhar cuidadoso para Chárōn.
Soga, agora divertindo-se com o desconforto de Karin, deu um leve sorriso. — Ah, sim! — Disse ele com uma voz provocativa. — Ele tem alguns truques interessantes. E, como você pode ver, ele pode esconder sua presença de qualquer um, até mesmo dos melhores tipos rastreadores do mundo, como você, Karin.
Karin tentou manter a compostura, mas era difícil ignorar a sensação esmagadora de impotência que a envolvia. Para alguém que confiava tanto em suas habilidades sensoriais, perder esse sentido era como estar cega em plena batalha.
Ele pausou para deixar suas palavras se assentarem, antes de continuar: — Você não encontrará muitos com habilidades como as dele. Uma verdadeira relíquia de tempos de guerra, perdido entre as sombras... até agora. Não há ninguém mais capaz para garantir que cheguemos ao nosso destino... invisíveis e intocados.
Chárōn, sem dizer uma palavra, continuava seu trabalho. A forma como ele manipulava as bolhas era quase artística, movendo seu bastão com precisão enquanto o brilho das bolhas piscava levemente ao redor. As bolhas não apenas bloqueavam a percepção sensorial, mas também criavam uma barreira de isolamento, tornando aquela embarcação, agora invisível ao mundo, um pequeno universo à parte.
Contudo, a tensão a bordo da embarcação parecia crescer com cada palavra que saía da boca de Soga, “o Pequenino”. Ele, aproveitando a atenção da dupla, se inclinou para frente, seus olhos brilhando com uma mistura de satisfação e cinismo ao introduzir as duas ‘Caçadoras’ que o acompanhavam. Suigetsu observava com um olhar crítico, enquanto Karin mantinha-se em silêncio, com o desconforto crescendo visivelmente em sua expressão.
— Ah, permitam-me apresentar minhas... meninas. — Soga começou, a voz serpenteante, envolta em um tom sarcástico e desdenhoso. — A primeira, ... — Ele gesticulou para a mais jovem de cabelos brancos, como um maestro apresentando sua orquestra. — ...um modelo baseado no Lytta vesicatoria ou escaravelho-verde-das-verrugas.
A garota deu um passo à frente, sua pele pálida quase espectral, enquanto suas franjas dançavam suavemente com o movimento. O capacete que cobria seus olhos crepitava com uma energia inquietante. Ela, por sua vez, com uma lentidão calculada, expôs a língua, revelando uma marca com o número "77" bem destacado.
— Esta é a modelo 77. — Anuncia ele com um tom quase reverente, prosseguindo, com o mesmo tom indiferente: — O que ela pode fazer é verdadeiramente fascinante. Capaz de afetar vastas áreas com um odor inebriante que emana de suas glândulas sudoríparas. Mas o verdadeiro toque de gênio é sua hemolinfa venenosa, que... bem, é um presente mortal que escorre de seus ferimentos em meio ao combate.
Karin sentiu um arrepio de repulsa percorrer sua espinha. Cada palavra de Soga soava como um eco de desumanidade, e a ideia de que essas mulheres eram meras ferramentas em suas mãos a fazia sentir um embrulho no estomago.
A atenção de todos, então, voltou-se para a outra Caçadora, uma mulher alta de pele escura, com longos cabelos bagunçados de tom castanho-claro acobreado. — Agora, ... — Continuou ele, apontando para ela. — ...essa aqui é uma das minhas joias mais preciosas.
Ela, com um gesto lento, começou a desabotoar a camisa, revelando o número “06” entre seus seios. Enquanto ele continua, seu tom agora carregado de entusiasmo. — O modelo número 06. É uma das minhas criações mais poderosas, baseado no Brachinus crepitans, o Besouro-Bombardeio. Ela é capaz de gerar explosões químicas devastadoras e nivelar o campo de batalha. Uma máquina de combate letal e altamente destrutiva.
Ele não parou por aí. — Segundo o último combate que vocês tiveram com elas, esses dois modelos foram os únicos que conseguiram causar incomodo ao nosso querido espadachim.
O Hōzuki, que até então havia escutado em silêncio, não pôde deixar passar a oportunidade de responder com seu sarcasmo afiado. — Entendo a sua preocupação, então você trouxe só quem conseguiu nos dar dor de cabeça da última vez? Com medo de mim, gorducho? — Ele riu, zombando. — Mas, me diga, qual o lance com essas numerações, afinal? 77 e o 06?
Soga inclinou a cabeça levemente, com aquele sorriso típico de quem estava sempre à frente em seus jogos.
— Ah, claro, você quer entender como as coisas funcionam! O número que cada modelo carrega é uma indicação de sua eficiência em combate. Quanto mais próximo de '0', mais poderosos são. Simples, não é? — Ele deu uma risada suave. — Todos os modelos existentes atualmente são baseados no DNA de artrópodes, criaturas que a natureza aprimorou ao longo de milênios. Com um pouco de engenharia, eles se tornaram a chave para transformar corpos humanos em armas vivas. Mas... — E aqui ele fez uma pausa dramática, olhando para o espadachim nos olhos. — ...meu corpo de pesquisa está sempre explorando novos horizontes. Imagine o que poderíamos alcançar com organismos ainda mais... poderosos.
Enquanto falava, seu tom quase sedutor, envolto em mistério e enigma, carregava uma camada de desprezo mal disfarçado por qualquer noção de moralidade ou empatia. Para ele, tudo e todos eram peças em seu tabuleiro, meras ferramentas para atingir seus objetivos.
Karin sentia a bile subir em sua garganta a cada palavra que saía da boca daquele homem. Era como se ele falasse de peças de xadrez, de forma tão fria e calculista, que a desumanização era palpável. Ela lutava para controlar sua crescente repulsa. A cada palavra, sentia uma onda de ódio fervente subir em seu peito, por ele falar das mulheres como se fossem propriedades, corpos manipulados e adaptados para satisfazer suas ambições cruéis. Ela olhou para as Caçadoras, imaginando o que as havia levado a essa situação terrível.
Finalmente, não aguentando mais, ela perguntou, sua voz tremendo de indignação: — O que levou elas a esse fim?
— Ah, isso é um detalhe fascinante. — Proferiu ele, olhando de soslaio para a ruiva, como se já antecipasse sua reação. — A mais nova,... foi entregue a mim como moeda de troca. Seu pai tinha contraído uma dívida que não podia pagar, então ela se tornou... meu pagamento. Simples, não?
Seu sorriso ampliou de maneira escarnecedora, como se estivesse prestes a contar uma piada. — Quanto à outra, ... ela foi, durante muito tempo, minha agente mais leal. Trabalhou para mim nos cantos mais sombrios do submundo de Amegakure. Mas... como sempre, a vida tem suas tragédias, não é? — Ele riu em depravação, continuando. — O filho adoeceu, ficando entre a beira da vida e a morte. Ela precisava de dinheiro, muito dinheiro, para mandá-lo para fora da vila, que não conta com muito suporte médico, e tentar conseguir algum tratamento. Foi aí que entrei com uma proposta irrecusável. Agora, vejam onde ela está.
A frieza com que ele proferiu aquelas palavras fez o sangue de Karin gelar. Ela apertou os punhos com força, mas manteve o olhar firme, tentando não deixar transparecer o nojo que sentia.
O sorriso dele se alargou, enquanto ele observava a reação da Uzumaki com fascínio. —Algumas escolhas... são fáceis de fazer, quando se está desesperado.
Cada palavra de Soga era uma faca cravada na alma de Karin. Ela sentia não apenas ódio por ele, mas uma indignação profunda por aqueles que haviam sido usados e descartados por sua vontade inescrupulosa.
— Monstro! — Ela murmurou baixinho, quase imperceptível, mas o Usuzumi, com seus instintos aguçados, ouviu perfeitamente.
Ele riu, um som seco e cortante.
Karin sentiu uma onda avassaladora de raiva e repulsa, sentindo o corpo inteiro tremer com o impulso de atacar ele. Seus punhos se apertaram, as unhas cravando-se nas palmas das mãos enquanto o olhar da ruiva queimava de raiva e, por um momento, seu chakra pulsou, quase saindo de controle. Mas justo quando estava prestes a agir, a mulher que os havia recepcionado anteriormente, a conteve suavemente. A moça sorria, um sorriso cálido, balançando a cabeça com suavidade, como se estivesse avisando-a para não cometer tal erro. Karin hesitou, o ódio queimando em seu olhar, mas algo na expressão daquela mulher a fez parar por um momento.
Suigetsu, por outro lado, reagiu com brutalidade. Com um gesto brusco, ele afastou a mão da mulher, quase como se estivesse repelindo algo sujo.
— Tire as mãos dela. — Ele murmurou, seu temperamento impulsivo. Mas a mulher não parecia se incomodar com sua reação. Ela permaneceu ali, imóvel, o seu sorriso permaneceu imperturbável, como se aquele gesto violento não fosse nada.
Foi nesse momento que Soga se levantou, aproximando-se lentamente, trazendo consigo uma atmosfera sufocante. A aura opressiva e repulsiva que emanava dele gerava uma pressão invisível, opressiva, e imunda. O ar ao redor dele era denso, asfixiante, como um miasma venenoso que impregnava o ambiente com uma energia que se prendia à pele. Cada passo que ele dava fazia com que o ambiente ao redor parecesse mais pútrido, e tanto Karin quanto Suigetsu sentiram a desagradável presença se intensificar.
— Deixem-me apresentar. — Ele disse, sua voz gotejando sarcasmo, enquanto um sorriso perturbador se espalhava por seu rosto. — Esta... é minha adorável esposa, Usuzumi Sagiri. A mãe dos meus preciosos filhos.
A forma como ele pronunciava as palavras era carregada de um desdém doentio, mas caminhava com a confiança perturbadora de quem sabia exatamente o impacto que causava.
Ele se posicionou atrás de Sagiri, e o que fez a seguir causou uma onda de repulsa imediata na dupla. Com um gesto vulgar e repulsivo, ele lambeu o pescoço de Sagiri, subindo até o lóbulo da orelha, a saliva brilhando grotescamente enquanto ele a devorava com um prazer perverso e intencionalmente provocativo. Ela manteve o sorriso, mas havia algo profundamente errado com ela. Algo em seus movimentos, na rigidez de seu corpo, sugeria que aquele sorriso não era fruto de contentamento. Um brilho nos olhos que indicava que talvez aquela submissão fosse forçada, ou pior, que tenha sido quebrada ao ponto de aceitar tudo o que ele fazia.
A Uzumaki sentiu o estômago revirar ao ver aquilo. Era um espetáculo grotesco e cada parte dela gritava para atacar, para acabar com aquela monstruosidade. Hōzuki, por sua vez, lançou um olhar de puro desprezo, mas manteve-se calado embora a tensão em seus músculos era evidente.
— Agora, vamos ao que interessa. — Disse Soga, abraçando Sagiri ainda mais forte, como se ela fosse uma posse. Seus olhos, brilhando com um perverso prazer, fixaram-se na dupla. — Vocês vieram até aqui atrás de Kyōkō, não é? A misteriosa mulher que dizem possuir um poder além da imaginação. Mas... me digam, vocês realmente entendem o que significa encontrá-la? Porque, bem, ... tecnicamente, já cumpriram seu objetivo.
Ele fez uma pausa dramática, observando as reações deles, alimentando-se da tensão que se acumulava no ar. Sorriu, um sorriso perturbador e provocativo. — Ela está em toda parte. Literalmente. Não há um canto de Amegakure que não tenha sido tocado pela influência dessa mulher.
Soga prosseguiu com cinismo.
— Vocês passaram alguns dias no distrito de Ugatsu, não é? Imagino que tenham notado alguns dos moradores... as melhorias tecnológicas, as partes mecânicas. Especialmente os mais velhos.
A ruiva franziu o cenho, confusa e perturbada pelas palavras dele. Havia um toque de verdade no que ele dizia, algo que ela e Suigetsu de fato notaram durante os dias que passaram no distrito Ugatsu. As pessoas ali... estavam diferentes. Melhorias tecnológicas que não pareciam naturais, e agora Soga sugeria que aquilo era de alguma forma ligado à Kyōkō.
Mas antes que pudessem processar totalmente a informação, de repente, Soga agarrou o rosto de Sagiri com brutalidade, forçando-a a encará-lo. Karin deu um passo à frente, impulsionada por puro instinto. Então, com um gesto grotesco, ele virou novamente o rosto dela e enfiou a língua em sua orelha, lambendo-a com uma lentidão perturbadora, antes de deslizar pela lateral do rosto dela, deixando um rastro de saliva que escorria até o queixo. Ele murmurou perto do ouvido de Sagiri, mas seus olhos estavam fixos em Karin e Suigetsu, saboreando cada reação que provocava.
— Por que não conta a eles, amor... — Sua voz carregada de sarcasmo doentio. — ...sobre Kyōkō? Sobre a mulher que, à beira da morte, ressurgiu como uma santa em tempos de dor e sofrimento?
Sagiri, ainda mantendo o sorriso perturbadoramente calmo, abriu a boca lentamente, como se estivesse prestes a obedecer a ordem dele, enquanto Soga ria silenciosamente, aguardando a resposta de sua esposa. A cada palavra, a cada gesto grotesco, Soga estava destruindo qualquer vestígio de paciência que Karin ainda tinha. E Suigetsu, por mais sarcástico e imperturbável que fosse, agora parecia estar à beira de explodir também. O mestre das farsas e mentiras não era apenas um vilão, era o pior tipo de monstro.
........
A velocidade de Kaho era deslumbrante se movendo como um vulto através de Amegakure, seus passos eram suaves, quase etéreos. Civis gritavam xingamentos ao que parecia ser uma presença invisível e fugaz passando por eles. Cada vez que seus pés tocavam uma superfície, ela já estava longe, saltando de uma estrutura a outra, deslizando pelas paredes de edifícios e tubulações entre os gigantescos arranha-céus da vila. Contudo, conforme se aproximava de uma área afastada do centro, o caos se tornava inegável.
Ao se aproximar de uma área distante do centro de Amegakure, ela notou a evacuação em massa. As pessoas corriam em desespero, carregando o que podiam, abandonando uma trilha de brigas e pânico que explodiam entre aqueles desesperados para fugir da área afetada. Gritos de agonia se misturavam com súplicas por misericórdia, e uma voz ao longe perguntava se a Vila da Chuva estava, mais uma vez, mergulhando em guerra.
"Estamos sendo atacados?!" Uma mulher falou ao longe, enquanto um homem ao seu lado murmurava, desesperado, “Não... não de novo, por favor... não outra guerra...".
Ao longe, a jovem da casa Ubume avistou uma imensa fenda no chão, devorando uma parte de um prédio onde ela planejava usar como próximo ponto de apoio. A estrutura restante tremia, instável, e os gritos de civis presos dentro ecoavam, pedindo por ajuda. Foi então que ela pode perceber de forma mais evidente o tamanho do desastre, pois a enorme e profunda fenda que havia se formado no solo, rasgando a terra com brutalidade, havia engolido uma série de prédios por seu caminho e até alguns enormes arranha-céus pereceram diante de sua violência.
"Ajudem-nos! Por favor..." Uma mulher implorava lá embaixo, sua voz dilacerada pela angústia, "Pelo amor dos Deus! Salvem meu filho!" Mas Kaho já havia se movido novamente.
Fria e impassível, analisou a cena por um instante, mas resolveu ignorar os pedidos de socorro e continuou seu caminho, deslizando ao longo da fenda, determinada a encontrar sua origem. À medida que avançava pela borda da fenda, o cenário se tornava cada vez mais caótico: a terra havia sido rasgada violentamente, com crateras enormes abrindo-se como bocas famintas, engolindo qualquer coisa em seu caminho. Elas se multiplicavam, rasgando a vila de dentro para fora. Prédios inteiros caíam como cartas, arranha-céus eram reduzidos a pilhas de escombros. O cenário ao redor dela era um verdadeiro campo de morte: corpos de civis, homens, mulheres e crianças espalhados como peças descartáveis em meio ao caos. O fogo consumia o que restava de muitas estruturas, e a poeira, densa no ar, sufocava a visão e os pulmões. Mesmo a chuva intensa não conseguia abrandar o cenário caótico.
Ela, no entanto, permaneceu inabalável. Ao subir uma pilha de destroços, seus olhos de Kaho repousaram sobre a mão de uma criança, despontando por entre os escombros. Um vislumbre de algo que outrora fora humano, agora uma pequena parte exposta de uma tragédia maior. Mas nenhuma emoção transpareceu em seu rosto, nem mesmo o menor sinal de compaixão. Ela continuou a subir pelos destroços com a mesma indiferença de antes, nem mesmo hesitando ao pisar próximo ao braço da criança soterrada, deixando para trás aquele vislumbre de tragédia como se fosse apenas mais um detalhe no cenário desolador.
Ao contrário, os ninjas de Amegakure se desdobravam ao longe, desesperados, tentando conter o caos. Eles ajudavam civis feridos, lutavam contra o desespero e a confusão, enquanto as equipes de defesa e proteção sob o comando de Yurei trabalhavam freneticamente para salvar vidas. Equipes inteiras se espalhavam pela área tentando socorrer os feridos, os olhos carregados de angústia e cansaço. As vozes eram permeadas de exaustão e temor:
"Precisamos de mais reforços aqui!"
"Essa área está prestes a colapsar, tirem essas pessoas daqui!"
"Meu Deus, ele não vai sobreviver... alguém me ajude!"
"Os civis estão morrendo! Isso... isso é impossível de controlar!"
"Isso não pode estar acontecendo..." Um ninja sussurrou com a voz falha, as mãos tremendo ao tentar tirar uma mulher soterrada dos escombros, o rosto sujo de lama e suor. Um outro, ao lado dele, apenas sacudiu a cabeça, o olhar perdido no vazio, murmurando baixinho, "Por que nós? Sempre nós...". O desespero corroía suas almas enquanto o caos tomava conta de tudo ao redor.
Cadáveres estavam espalhados entre os escombros, alguns cobertos de poeira e lama, outros ainda semi-enterrados. Mas tudo aquilo parecia distante para ela, como se o caos fosse uma cena desconectada da sua própria realidade, sem olhar para os rostos deformados pela dor e pela agonia ao seu redor.
Conforme avançava mais e mais em direção à fonte do desastre, a paisagem ficava ainda mais sinistra. Os altos arranha-céus que haviam sobrevivido ao impacto inicial do terremoto agora estavam longes, e o caos dos civis e dos ninjas começava a se distanciar, o som de gritos e o clangor da destruição gradualmente se tornaram ecos ao longe. Tudo o que restava era uma vasta área de destruição total. Edifícios estavam reduzidos a escombros, e uma cratera colossal, de metros de profundidade, dominava o centro, de onde as profundas fendas pareciam irradiar daquela imensa cavidade e se estendiam por quilômetros vila adentro como teias de aranha. O epicentro de toda aquela catástrofe, como se a própria terra tivesse sido rasgada por uma força brutal.
Seus olhos perscrutaram a distância, até que avistou Yun envolto em um confronto iminente. Mais à frente, ela notou membros do clã Ugatsu reunidos no centro da destruição, mas decidiu primeiro se aproximar de seu companheiro. Ele estava furioso, visivelmente à beira de explodir, faíscas de eletricidade brilhando entre seus lábios trincados de raiva.
Kaho se aproximou em silêncio, ouvindo de longe as palavras dos agentes da casa Jorōgumo. Quando Kaho finalmente o alcançou, ela o chamou, sua voz fria cortando o ar caótico:
— Yun!? — Ela evocou seu nome interessada na situação. — O que está acontecendo?
Yun, sem tirar os olhos de seus oponentes, respondeu, os olhos brilhando de frustração e raiva: — Esses abutres estão bloqueando minha passagem. Estão encobrindo o que quer que tenha causado toda essa destruição!
Ele estava sendo barrado por homens de Usuzumi Soga, o ‘Arquidemônio da Manipulação’ da casa Jorōgumo. Muitos deles estavam vestidos com algo que outrora fora branco, mas suas roupas agora estavam manchadas de sujeira e sangue, como fantasmas de guerra.
Um dos homens de Soga, despreocupado, sorriu com escárnio. Sua voz gotejando desprezo e zombaria:
— Ninguém está autorizado a entrar nesta área sem a permissão de Usuzumi-Sama. E vocês, ratos de laboratório, vão ficar aqui... ou morrerão tentando passar.
Kaho percebeu o brilho no olhar do homem, enquanto Yun intercepta no mesmo momento o pensamento dele referindo-se a eles como "aberrações". O insulto foi suficiente para acender ainda mais a fúria de Yun e fazê-lo explodir de raiva.
— Desgraçado!!! — Ele gritou a plenos pulmões, já armado com uma lâmina curta e letal. O agente, por sua vez, também revelou uma tantō, afiada e mortal. Ambos se preparavam para o confronto, prontos para cravar as lâminas um no outro. Mas antes que o embate pudesse acontecer, eles foram impedidos.
Kaho se moveu, rápida e precisa. Segurou firmemente o braço de seu companheiro no momento exato em que ele se preparava para golpear. Ao mesmo tempo, um outro agente com uma presença imponente segurou a mão armada do companheiro, impedindo que ambos se matassem ali mesmo. O silêncio momentâneo que seguiu foi sufocante, o clima entre eles era de pura tensão.
— Isso não vai nos levar a lugar nenhum, Yun. — Ela olhou para ele com um olhar sério e controlado. As faíscas de eletricidade nos lábios começaram a se dissipar lentamente, enquanto a mão dela, firme, mantinha o braço dele sob controle.
O agente imponente, com uma presença que irradiava autoridade, rapidamente repreendeu seu companheiro com um tom firme. — Não é o objetivo da Casa Jorōgumo entrar em conflito com a Casa Ubume, apenas no caso deles forçarem uma entrada ao perímetro. — Sua voz era profunda e autoritária, ecoando mesmo meio à chuva torrencial que martelava o chão ao redor com olhar afiado e calculista. Seus olhos se fixaram em Yun e Kaho, oferecendo uma sugestão velada, porém clara — Sugiro que recuem.
— E por que deveríamos recuar? — Yun, retrucou cerrando os dentes, sem esconder sua frustração com a fúria ainda queimando em seus olhos.
O homem continuou, olhando ao redor, onde outros agentes da Casa Jorōgumo estavam espalhados. — Vocês podem ser poderosos, mas estão em menor número aqui. A vantagem é claramente nossa. — Ele gesticulou indicando a volta.
Foi nesse momento que Yun e Kaho perceberam a realidade da situação. Entre os escombros e as sombras projetadas pela tempestade, agentes da casa Jorōgumo estavam por toda parte. Embora muitos estivessem feridos e ensanguentados, era evidente que os números eram esmagadores. Armas de fogo eram empunhadas com determinação. O ambiente então se preenchia por tensão opressiva, como se algo grande estivesse prestes a desmoronar sobre todos.
De repente, o céu escureceu ainda mais, não apenas pela chuva pesada, mas pelo surgimento de um novo elemento que entrava em cena. Uma revoada de robôs, controlados por Yurei. Eles deslizavam pelo céu, como uma tempestade metálica, como pássaros mecânicos em formação, prenunciando mais caos e destruição. As máquinas vinham em uma onda implacável, trazendo uma visão aterrorizante.
Tão de repente quanto, o céu explodiu em um show de luzes e destruição. Disparos de todos os lados atingiam os robôs, que se partiam em pedaços no ar. Explosões iluminavam a chuva, espalhando destroços e peças metálicas para todos os lados. Os agentes da casa Jorōgumo rapidamente mudaram o foco, e eles se voltaram para os robôs, temendo que essas máquinas pudessem bisbilhotar o que estava acontecendo na área. O ambiente, que já era de alta tensão, tornou-se um campo de batalha entre homens e máquinas. Os robôs no céu começaram a ser alvejados por uma chuva de balas, disparadas pelos subordinados de Soga.
O som dos tiros ressoava. Pedaços de metal, faíscas e engrenagens caíam como chuva metálica enquanto os robôs eram abatidos, mas a quantidade deles parecia interminável. Por terra, a situação não era menos caótica. Robôs em forma de cães, gatos, ratos e outros pequenos mamíferos surgiam de todas as direções, correndo como uma onda furiosa em direção ao coração do território. Agentes armados com katanas especiais, revestidas com um brilho que cortava a chuva, enfrentavam as máquinas com movimentos precisos e acrobáticos. Um dos agentes girava no ar, desferindo golpes elegantes e letais que faziam as cabeças dos cães robóticos voarem, enquanto outro, em um salto espetacular, cravava sua lâmina em um robô felino, antes de usá-lo como trampolim para saltar em direção a outro inimigo.
Apesar da coragem e habilidade, a pressão era enorme. Por cada robô destruído, dois outros surgiam, avançando incansavelmente como uma maré incontrolável. O céu era um mosaico de explosões, balas e destroços de robôs. A terra tremia com o impacto das lutas.
E foi em meio a essa tempestade de caos e metal que Tetsuji finalmente apareceu, como uma sombra impiedosa, avançado com uma determinação feroz. Ela caminhou em meio à crescente onda de robôs, seu olhar fixo no agente chefe, um olhar que poderia cortar o ar. Sua chegada foi marcada por uma confrontação direta, sua voz cortando o barulho ao redor como um trovão quando ela o desafiou diretamente. — Me dê um único motivo, Kishibe... apenas um único motivo para eu não te matar aqui e agora.
Kishibe, com uma expressão fria e sem perder tempo, apenas respondeu com um movimento rápido.
— Esse! — Ele apontou uma pistola na direção de Tetsuji e disparou sem hesitar. No entanto, antes que a bala pudesse atingi-la, Yun, com reflexos sobre-humanos, posicionou-se na frente dela. Uma barreira eletromagnética surgiu diante dele no último instante, desviando o projétil que ricocheteou no ar.
Tetsuji aproveitou a abertura. Ela avançou com a lâmina preparada, desferindo um golpe feroz contra Kishibe. Ele tentou se defender, erguendo o braço para bloquear o ataque, mas a lâmina perfurou seu antebraço, atravessando sua carne. Sangue escorreu, misturando-se à chuva, mas ele, com uma expressão de aço, não demonstrou dor. Seus olhos fixaram-se nos dela por conta da proximidade mortal, expressão gélida e o confronto tornou-se mais do que físico — era uma batalha de vontades, uma luta entre a lealdade cega e a fúria incontrolável.
Os dois se encararam, a tensão entre eles quase palpável. Tetsuji, agora a poucos centímetros de Kishibe, olhou diretamente em seus olhos e perguntou, sua voz carregada de desprezo.
— Então, aquela 'víbora de língua suja' ... — Ela murmurou com desdém, referindo-se a Soga. — ...finalmente pirou? Ele acha que pode causar toda essa desgraça e sair impune? Que plano doentio é esse, Kishibe?
Enquanto isso, os robôs de Yurei continuavam a chegar em números crescentes, e os agentes de Soga, mesmo sobrecarregados, lutavam ferozmente para proteger a área a qualquer custo. Yun e Kaho, ainda em estado de alerta, sentiram um leve chiado em seus comunicadores de ouvido antes de ouvirem a voz bem-humorada de Saki.
— Que festa é essa aí? — Ela perguntou com uma risada que soava estranhamente fora de lugar no meio daquele caos. — Tá rolando tanto barulho que me pergunto o que diabos vocês aprontaram... Tô curiosa!
A loira sempre com aquele tom despreocupado, falava com um sorriso claramente audível na voz. Enquanto Kaho, tentando manter a calma, respondeu: — Algo grande está acontecendo. Mas os subordinados da casa rival estão nos barrando.
A gargalhada de Saki ecoou ainda mais alta pelo comunicador. — Deixa comigo. Tô chegando pra abrir caminho. Mas vai um aviso: a 'Viper' tá num dia bem temperamental. Tomem cuidado!
Antes que Yun ou Kaho pudessem responder, um estrondo ensurdecedor ressoou ao longe. O chão tremeu sob seus pés, e uma enorme cortina de poeira se ergueu, mesmo sob a intensa chuva, obscurecendo a visão. Mas logo, emergindo das sombras da poeira e da tempestade, uma serpente colossal se revelou, de proporções monstruosas. Suas escamas alvas, quase como neve, refletiam a luz que escapava entre as nuvens escuras. Algumas partes de seu corpo estavam expostas como componentes robóticos despontando entre as escamas, e seus olhos biônicos brilharam em um vermelho intenso e ameaçador, fixando-se na direção da batalha. As presas, não mais naturais, foram substituídas por lâminas metálicas gigantes, afiadas como guilhotinas.
A serpente deslizou entre os escombros com uma velocidade surpreendente e uma violência assustadora. O solo rachava sob seu peso, criando ondas de choque que deslocavam o ar ao seu redor, gerando ventanias que espalhavam destroços e levantam massas de poeira.
Essa era a Viper, um verdadeiro tanque de guerra biotecnológico. Algumas de suas escamas modificadas ao redor do capuz brilharam em um tom vermelho ameaçador, e, com um estrondo ensurdecedor, lançaram uma saraivada de mísseis com alto poder destrutivo. Eles caíram como uma chuva de meteoros sobre os robôs de Yurei e os subordinados de Soga, reduzindo tudo em seu caminho a destroços e caos. No topo da cabeça da serpente, com a pose relaxada de quem está em um passeio, Saki, empunhando uma minigun que cuspia balas, ria enquanto seu cabelo loiro encharcados de chuva tremulava ao vento.
— Essa mulher é louca... — Kaho murmurou, atônita, enquanto Yun a puxava para desviar por pouco do serpentear voraz da serpente. Os mísseis da serpente explodiam ao redor deles, transformando o campo de batalha em um verdadeiro inferno de destruição indiscriminada.
Viper avançava com tal rapidez que qualquer movimento em falso significaria ser esmagado ou atingido pelos mísseis. A serpente era uma força implacável, uma entidade quase indestrutível serpenteando entre os escombros e destroços, abrindo caminho por entre os robôs de Yurei e os subordinados de Soga sem piedade.
Kishibe, com o rosto crispado de irritação, observou o caos se desenrolando. Ele gritou ordens para seus subordinados, enquanto desviava por pouco de ser esmagado pela grande serpente: — Todos, ataquem! Use suas vidas se for preciso, mas parem essa coisa!
Os agentes tentaram cumprir suas ordens desesperadas, lançando-se em direção à serpente em uma tentativa de ataque. Mas o simples deslocamento de ar causado pelos movimentos rápidos da criatura os repelia, jogando-os de volta com uma força implacável. A cada movimento, a serpente devastava mais e mais, enquanto os robôs de Yurei eram destruídos sem esforço por seus mísseis e seu corpo maciço.
Yun, com sua maestria sobre o eletromagnetismo, conseguiu se agarrar à superfície metálica da serpente, arrastando Kaho consigo. Os dois subiram rapidamente pelo corpo da serpente colossal enquanto ela devastava tudo em seu caminho.
— Você foi atraído pelo terremoto também? — Kaho perguntou, enquanto se segurava firmemente, o vento e a chuva tornando cada palavra um esforço.
Yun, mantendo seu foco, respondeu com seriedade. — Não. Eu detectei um chakra invasor se tornando hipersensível... foi tão intenso que consegui senti-lo do outro lado da vila.
Enquanto conversavam, a serpente avançava implacável, penetrando a barreira montada pelos agentes rivais como se fosse nada. À medida que a Viper avançava, com Saki liderando o ataque de cima, os adversários restantes eram esmagados ou jogados para longe. Era um monstro imparável, e sua força descomunal levou a criatura direto ao epicentro do desastre, onde os membros do clã Ugatsu se encontravam reunidos.
Lá, vários membros do clã Ugatsu se reuniam, um círculo de figuras reconhecíveis, de poder palpável, aguardando o confronto final. À frente de todos, Yume, a líder do clã Ugatsu, com sua presença serena, aguardava o inevitável confronto. Seus olhos analisavam a serpente gigante com uma calma quase sobrenatural, mesmo diante da ameaça imensa que se aproximava. Seus olhos eram firmes, como se já estivesse preparada para o que viria a seguir.
A serpente colossal se ergueu diante deles, sua presença ameaçadora dominando o campo de batalha, enquanto, suas preses metálicas prontas para iniciar um ataque brutal eram expostas como um sinal de ameaça. Algumas de suas escamas destacadas em vermelho emitia uma luz intensa a partir de seu capelo, prestes a liberar outra chuva de destruição.
A velha senhora, sem se mover um centímetro, fitava a gigantesca serpente com frieza, como se desafiasse a máquina monstruosa a atacar. Enquanto a jovem loira, ainda sobre a cabeça da serpente, observava o campo de batalha com uma mistura de diversão e curiosidade.
O céu acima começou a adquirir uma tonalidade ainda mais sinistra. Os robôs de Yurei finalmente romperam a resistência dos agentes e agora sobrevoavam a área como uma verdadeira nuvem de sombras metálicas. Por terra, a paisagem logo também foi tomada por um exército de robôs animalescos, seus movimentos precisos e frios avançando pelo solo, preenchendo o horizonte como uma maré de máquinas predatórias.
Kanemori, Yukio e os outros membros do clã Ugatsu que haviam chegado tardiamente se movimentaram rapidamente, preparando-se para o inevitável, armados e prontos para qualquer eventualidade. O ambiente tornava palpável a tensão. Kaho e Yun, próximos, conseguiam sentir o peso do momento. A jovem observava atentamente as figuras que compunham o clã, não podendo deixar de notar que entre os membros havia dois gravemente feridos e uma jovem, aparentemente sem vida, repousava no chão coberta por uma capa que mal escondia a dor estampada nos rostos dos que a cercavam. A visão daqueles corpos, a expressão de dor e desolação no rosto de todos, ampliava o sentimento de impotência no ar.
O silêncio que pairou entre os dois lados era sufocante. Era como se o mundo tivesse parado, esperando que algo quebrasse a quietude sombria daquele momento. Então, um pequeno robô felino emergiu da massa metálica de máquinas, avançando com passos leves e calculados, sem emitir um único som. Ele se posicionou de forma casual entre os dois lados, seus olhos mecânicos encarando diretamente a líder do clã, Yume.
Os olhos da matriarca não desviaram por um segundo. Havia uma firmeza inabalável em seu olhar, uma determinação silenciosa que falava mais alto do que qualquer palavra. Com um tom sereno, mas cheio de uma autoridade impossível de ser questionada, expressou seu desejo:
— Recue! — Ela ordenou, a voz firme, mas com um tom que traía um profundo pesar. — Voltem todos para o distrito.
Os rostos dos membros do clã se entreolharam em incerteza. A ordem de recuar parecia impensável diante da ameaça iminente. Kanemori, a filha mais velha de Yume, hesitou por um breve momento, seu olhar carregado de contestação e preocupação. Ela tentou argumentar, mas sua mãe foi rápida e incisiva. A voz da matriarca se elevou, mas não com fúria; era a voz de uma líder que sabia que sua decisão seria a última.
— Eu sou a líder do clã, ... — Ela afirmou com uma firmeza que cortou o ar. — ...e pela minha autoridade vocês irão recuar.
O momento foi de dor silenciosa e aceitação amarga. Yume, com um tom mais suave, agora dirigia suas palavras diretamente à filha:
— Acima de tudo, por ser minha filha, eu espero que cuide bem de todos. Cuide de seu irmão principalmente, Kanemori...
Essas palavras pareciam perfurar Kanemori de forma mais profunda do que qualquer ferida física. Ela, por fim, levantou-se, escondendo a tristeza e a angústia por trás de sua franja desordenada. Em um movimento lento, mas resoluto, ela abriu seu guarda-chuva e começou a girá-lo no ar. A neblina densa que emanava de suas bordas se espalhou rapidamente, envolvendo todos os membros do clã Ugatsu. Em questão de segundos, a névoa os engoliu por completo, e quando se dissipou, não restava mais ninguém e não era mais possível detectar a presença deles.
O silêncio que se seguiu era carregado de uma tristeza quase palpável. Yume, agora completamente só, deu alguns passos à frente, aproximando-se do pequeno robô felino. Em seus olhos, a determinação misturada com dor e resignação, enquanto ela afirmava, destemida:
— Eu sou a grande culpada por tudo isso. — Declarou, como se estivesse se dirigindo diretamente a Yurei, sua voz carregada de uma tristeza profunda, mas também de uma aceitação destemida. Não havia arrependimento em suas palavras, apenas a certeza de que o destino que a aguardava era inevitável.
A chuva continuava a cair, misturando-se com o sangue e o óleo dos robôs destruídos, enquanto o céu, escurecido, parecia refletir o luto silencioso de um clã que acabara de perder sua matriarca.
........
Sagiri começou a narrar a história de Kyōkō, sua voz imersa em um tom sombrio, mas solene. — Não há muitos registros sobre seu passado. — Ela disse, a tristeza evidente em seu olhar, transportando todos para um passado obscuro. — Tudo o que se sabe é que, assim como muitos outros, ela não é apenas uma figura trágica, mas um símbolo persistente do horror que permeou a vila durante a guerra civil.
Enquanto suas palavras se desenrolavam, as imagens de Kyōkō surgiam como um pesadelo vívido. Cenas de esgoto e escombros, onde as sombras se arrastavam entre as pilhas de lixo e a podridão. Crianças, olhos grandes, vazios e desalentados, perambulavam entre corpos em decomposição, enquanto os ecos de gritos distantes ressoavam em um ambiente sufocante. A fome e o frio pareciam moldar seus pequenos corpos, fazendo-os definhar como sombras de quem já foram. Sagiri continuou: — Ela era, como muitos, uma vítima das circunstâncias. Relegados à marginalidade, eles sobreviviam à mercê do que os esgotos podiam oferecer, buscando abrigo contra os conflitos que se espalhavam como uma praga durante o expurgo de Pain.
Imagens de corpos se acumulando nos dutos e galerias abaixo de Amegakure invadiam a mente de quem ouvia. Montanhas de carne em decomposição revelavam o horror indizível, uma verdadeira infâmia que tinha se instalado no coração da vila. — A praga infernal se espalhou, arrastando consigo cada vida miserável que tentava se agarrar ao frágil fio da existência.
— Os cães foram os primeiros a sentir a chegada deste horror. — Continuou, sua voz agora mais carregada de emoção. — Os pássaros vacilaram em seus voos e caíram das nuvens negras; e, em seguida, os homens caíram, um por um. — As lembranças mudavam, mostrando pássaros se alimentando dos corpos em decomposição e não muito tempo após despencando do céu, seus corpos inertes batendo no chão como se fossem meras folhas secas.
Kyōkō aparecia naquelas imagens, uma figura cadavérica se arrastando por entre os cadáveres que se amontoavam, bebendo da água suja que escorria pelos dutos de esgoto, esperando por tal morte. Seu corpo magro e desnutrido estava coberto de feridas infectadas, enquanto baratas e ratos se alimentavam de sua carne exposta. A visão era tão grotesca que qualquer um que a visse se sentiria enojado e triste.
— Fome, sede, frio... — Prosseguiu. — ...expostos a todo tipo de contaminação e violência apenas para continuar a existir. O resultado foi um número inimaginável de vidas perdidas. — A tela mental se preenchia com imagens de corpos empilhados, um verdadeiro cemitério sob a terra, onde a vida tinha se tornado um fardo e a morte, uma bênção.
— Nesse cenário de desolação, foi assim que Nagato a encontrou. — Kyōkō estava ali, uma mera espectadora, aguardando sua vez de sucumbir à morte que parecia um alívio, cercada pelo fedor insuportável de decomposição. — Ela esperava ser morta. — Sagiri narrou. — Livrada de uma vez por todas daquele sofrimento. Mas, por misericórdia ou mero capricho...
A imagem de Pain (Shuradō) surgia, uma figura imponente em meio à devastação, sua presença emanando poder. — Ele a viu em meio ao horror, arrastando-se entre os corpos, e, em vez de dar-lhe a morte que tanto desejava, decidiu conceder-lhe algo além de qualquer entendimento.
— Kyōkō foi trazida de volta a superfície. — Disse Sagiri. — Não mais como uma humana, uma alma perdida, mas como uma extensão de Deus, transformada em uma de suas seguidoras mais fiéis, que, em sua reinterpretação, era a desesperança e a infâmia de um povo que havia sido esquecido.
Soga se manifestou, um sorriso de escárnio curvando seus lábios enquanto suas palavras atravessavam o ar pesado da narrativa.
— As guerras... — Começou ele, com o tom característico de quem gosta de brincar com as tragédias. — ...sempre foram o grande motor do progresso. E é irônico, não é? Enquanto matamos uns aos outros, criamos ao mesmo tempo as ferramentas para nos elevar além. — Ele balançou a cabeça, rindo de forma debochada, como se encontrasse um prazer amargo na verdade que estava prestes a compartilhar.
— Ninguém quer admitir, mas é simples: a guerra, paradoxalmente, força a humanidade a ultrapassar os próprios limites. Nações desesperadas pela vitória despejam suas riquezas em pesquisas e inovações, tudo na esperança de superar seus inimigos. E qual o resultado? Novas tecnologias, armas, estratégias… e às vezes, até mesmo algo útil para a vida civil, claro, se você sobreviver para vê-la. — Ele lançou um olhar zombeteiro, como se esperasse que alguém discordasse, mas a realidade dura de suas palavras pairava no ar.
Enquanto ele falava, era como se o peso histórico de séculos de conflito se manifestasse diante de todos. — O ‘Reino de Guerra’ (修羅道, Shuradō), ou melhor, Asura, não é apenas sobre o campo de batalha. — Continuou ele, com a voz envenenada de sarcasmo. — É sobre o caminho interminável de conflitos e competição. Uma luta eterna por poder, prestígio, e claro, o aperfeiçoamento. Quanto mais você luta, mais forte você se torna, certo? É assim que funciona... Ou morre tentando, tanto faz. — Ele fez um gesto indiferente, rindo mais uma vez.
— O ponto é que guerra não apenas destrói, mas também cria e aperfeiçoa. O conhecimento gerado durante esses períodos transforma profundamente a sociedade, moldando um futuro que, ironicamente, busca evitar o mesmo destino. — Soga então voltou seus pensamentos para o foco de todo aquela conversa, Kyōkō. — E então, temos ela, uma extensão perfeita desse poder. O Rinnegan não só a trouxe de volta, mas a moldou no poder do Shuradō, um exemplo perfeito dessa intersecção de conflito e progresso. Agora, capaz de transformar matéria orgânica e tecnológica como se fossem uma só. Uma bênção, certo?
Nesse momento, Sagiri interveio, sua voz suave e reverente, como se falasse de uma lenda sagrada. — No passado, Kyōkō usou esse dom de forma benéfica. Ela se tornou algo próximo de uma santa milagrosa, uma curandeira em meio a guerra.
As palavras dela evocavam imagens de Kyōkō em um passado distante, curvando-se sobre os feridos, suas mãos tocando suavemente corpos quebrados, enquanto seu poder restaurava a carne e a alma dos que sofreram as piores agruras da guerra.
Karin e Suigetsu trocaram olhares ao ouvirem as palavras do casal, suas memórias rapidamente preenchidas pelas inúmeras pessoas que haviam encontrado com evidentes modificações tecnológicas. A conexão entre elas e o poder de Kyōkō agora parecia mais clara. Nesse momento, um som leve, quase imperceptível, fez com que ambos voltassem a atenção para Soga.
Ele sorriu, o gosto de veneno em seus lábios, antes de continuar sua narrativa com um tom frio e irreverente. — A notícia da morte de Nagato se espalhou como fogo em grama seca. A Vila da Chuva foi abalada, assim como Kyōkō. Algo mudou nela. Sem Nagato, o mundo em que ela havia sonhado começou a ruir.
O ar ficou pesado, carregado de tensão, enquanto todos ouviam com atenção. — Não muito depois disso, Konan desapareceu. Sem Nagato e sem Konan, Amegakure ficou à mercê das disputas por poder entre os mais fortes, mais uma vez. Mas Kyōkō... — Ele fez uma pausa. — Kyōkō não estava disposta a deixar isso acontecer novamente. Ela se recusava a ver Amegakure afundar no caos que a moldou.
Antes que Soga pudesse dizer mais, Chárōn se aproximou, interrompendo a conversa com sua postura indiferente. — Estamos descendo agora. — Anunciou, sua voz ressoando com precisão. — Avisarei quando começarmos a submergir.
Soga riu novamente, seu riso reverberando pelo ambiente, ecoando de forma despudorada e perturbadora. Ele se afastou lentamente, mantendo seu sorriso maligno, como se tivesse sido desperto por Chárōn para uma piada vil, mas não antes de insinuar, que Kyōkō estava por toda parte, de forma direta ou indireta. Suas palavras pairaram no ar.
Com um gesto autoritário e enigmático, ele ordenou que Sagiri revelasse sua "benção", a dádiva que os poderes da ‘Santa’ eram capazes de proporcionar. A reação de Sagiri foi instantânea, um espanto inumano a tomou, e um medo profundo se refletiu em seus olhos. A Uzumaki, que observava tudo de perto, ficou visivelmente abalada pela reação de Sagiri. Havia algo terrivelmente errado. A tensão no ar era quase palpável, mas ela ainda não conseguia entender o motivo de todo aquele pavor.
Soga, impaciente e implacável, elevou o tom: — Eu não dou segundas ordens, meu bem. Se você não mostrar por conta própria, eu mesmo irei expor minha obra-prima.
Sagiri, tremendo, começou a se despir lentamente, e cada movimento parecia carregado de dor e resignação. A máscara de sorrisos e bom humor que ela sempre ostentava estava completamente destruída. À medida que as roupas caíam ao chão, o horror se revelava. Karin, observando tudo, viu seu rosto se deformar em espanto e descrença. O corpo de Sagiri, que outrora fora humano, havia sido transformado em uma máquina grotesca. Abaixo do pescoço, não restava mais traço algum de carne ou humanidade. Tudo havia sido substituído por metal, circuitos e engrenagens, o resultado das perversões distorcidas de Soga.
— Por quê...? — A voz da ruiva saiu trêmula, sua perplexidade estampada em cada palavra.
Sagiri tentou falar, mas sua voz estava sufocada pelas lágrimas que agora desciam torrencialmente por seu rosto. Ela se lembrou apenas de fragmentos, imagens desconexas de um passado doloroso.
— Eu só lembro de flashes... — Ela murmurou entre soluços. — De estar em constante torpor... de acordar e já não ser eu mesma... de precisar ser resiliente, pelos meus filhos...
Lentamente, Sagiri começou a secar suas lágrimas. Um sorriso forçado, quase grotesco, curvou seus lábios, mas era visivelmente uma máscara. Soga, de longe, observava satisfeito, enquanto bebericava seu chá com um sorriso nos lábios.
Suigetsu, incomodado com a cena, quebrou o silêncio se dirigindo a ela. — Como você ainda consegue sorrir?
Sagiri virou o rosto, a expressão congelada em um sorriso forçado e a voz trêmula. — Se eu parar de sorrir, talvez eu perca o controle de vez... Ou talvez eu só sorria porque já estou louca... Mas não, não é divertido.
Nesse momento, um estrondo cortou o ar. Ao lado de Suigetsu, a madeira da embarcação explodiu em estilhaços, enquanto uma sombra se projetou rapidamente acima de Soga. A velocidade era estonteante, nem mesmo Soga viu o golpe vir. O impacto foi brutal, e ele cambaleou, sentindo o gosto metálico de sangue encher sua boca. Seu sorriso se torceu em surpresa, mas ele foi rápido o suficiente para bloquear o segundo golpe.
Foi então que ele a viu: a expressão de pura ira no rosto de Karin. As Caçadoras, alertas, se reposicionaram ao redor de Soga, prontas para eliminá-la com um único sinal. No entanto, ao invés de raiva ou medo, um sorriso desafiador se formou nos lábios de Soga.
— Há tanta fúria aqui. — Ele provocou, o sangue escorrendo pelo canto de sua boca, enquanto suas criações ficaram em alerta a espera de seus comandos. Mas pela primeira vez, ele deixou transparecer sua irritação, se aproximando de Karin, quase encostando seu rosto no dela, permitindo que ela visse seu sorriso desalinhado e sentisse o hálito pútrido que emanava de sua boca. — Você realmente quer ver o meu pior lado?
De repente, uma presença ameaçadora irrompeu na tensão do momento, como uma pressão esmagadora que sufocava a atmosfera ao redor. Uma sombra assassina surgiu ao lado deles, e o brilho da Kubikiribōchō cortou o ar, posicionando-se perigosamente na altura do pescoço de Soga. Suigetsu, com um sorriso ameaçador, declarou: — Sua cabeça rolar antes que consiga levantar um único dedo contra ela. E não se preocupe... — Ele continuou, a lâmina brilhando sob a luz fraca. — ...a Kubikiribōchō está bem alimentada. O corte será tão limpo que você nem sentirá dor, o que é muito mais do que você realmente merece.
As Caçadoras, institivamente, se posicionaram em alerta, prontas para atacar. Sagiri, desesperada, se moveu para perto tentando usar seu próprio braço para bloquear e repelir a lâmina suspensa sobre a cabeça de seu marido, seus olhos cheios de pânico e súplica.
A situação parecia prestes a explodir quando a voz calma de Chárōn cortou o ar, anunciando: — Estamos submergindo. — O aviso cortou o ar tenso. Soga, então, recuou, soltando o punho de Karin, ajeitou suas roupas e sorriu com desdém, afastando-se do centro da confusão.
— Abaixem a guarda! — Ele gesticulou para as Caçadoras, que o seguiram sem pestanejar.
Karin e Suigetsu também pareciam relaxar, embora o ódio ainda ardesse em seus olhares. Porém, todos a bordo sentiam a embarcação balançar sob os seus pés. Observaram, então, Chárōn a soprar pequenas bolhas que se espalhavam no ar. Quando as bolhas tocaram a superfície interna da bolha que envolvia o barco, repeliram a cor opaca que vedava a visão do lado de fora, revelando um mundo abaixo.
A dupla observara surpresos enquanto a embarcação submergia nas profundezas do lago que cercava Amegakure. Chárōn, por sua vez, continuou a exalar mais bolhas, que traziam um efeito enigmático, mas o que era exatamente, ninguém poderia decifrar. Eles começaram a descer em direção à escuridão profunda.
A sensação de descida para a escuridão profunda do lago era opressiva e encantadora ao mesmo tempo, mas Soga interrompeu a apreciação, sua voz rouca e pesada chamando a atenção de ambos.
— Agora é hora de esclarecer os termos adicionais do nosso acordo. — Disse ele com seus olhos mutados fixos no casal, o sorriso de desdém reaparecendo em seus lábios.