"No lava-pés, Cristo dera convincente prova de que compreendia o caráter de Judas. "Nem todos estais limpos" (João 13:11), dissera. Estas palavras convenceram o falso discípulo de que Cristo lhe lia o secreto desígnio. Agora Jesus falou mais claramente. Enquanto estavam sentados à mesa, Ele disse, olhando para os discípulos: "Não falo de todos vós; Eu bem sei os que tenho escolhido; mas para que se cumpra a Escritura: O que come o pão comigo, levantou contra Mim o seu calcanhar." João 13:18.
Mesmo então os discípulos não suspeitaram de Judas. Mas viram que Cristo parecia grandemente perturbado. Baixou sobre todos uma nuvem, a advertência de qualquer terrível calamidade, cuja natureza não percebiam. Enquanto comiam em silêncio, Jesus disse: "Na verdade, na verdade vos digo que um de vós Me há de trair." João 13:21. A essas palavras, foram tomados de espanto e consternação. Não podiam compreender como qualquer deles pudesse agir traiçoeiramente com seu divino Mestre. Por que motivo O haveriam de trair? E entregá-Lo a quem? Que coração poderia conceber um tal desígnio? Por certo nenhum dos doze favorecidos, que foram privilegiados acima de todos os demais em ouvir os Seus ensinos, que partilharam de Seu admirável amor, e por quem Ele tivera tão grande consideração, pondo-os em íntima comunhão consigo!
Ao ponderarem a importância de Suas palavras, e lembrarem quão verdadeiras eram Suas declarações, apoderaram-se deles a desconfiança de si mesmos e o temor. Começaram a examinar o próprio coração, a ver se nele se haveria abrigado um pensamento contra seu Mestre. Com a mais dolorosa emoção, um após outro indagou: "Porventura sou eu, Senhor?" Mas Judas guardava silêncio. Em profunda aflição, João indagou por fim: "Senhor, quem é?" E Jesus respondeu: "O que mete comigo a mão no prato, esse Me há de trair. Em verdade o Filho do homem vai, como acerca dEle está escrito, mas ai daquele homem por quem o Filho do homem é traído! bom seria para esse homem se não houvera nascido." Mat. 26:21-24. Os discípulos haviam perscrutado atentamente o rosto uns dos outros, enquanto indagavam: "Porventura sou eu, Senhor?" E depois o silêncio de Judas atraiu para ele todos os olhares. Por entre a confusão de perguntas e expressões de espanto, Judas não ouvira as palavras de Jesus em resposta à pergunta de João. Mas então, para fugir à investigação dos discípulos, perguntou, como eles haviam feito: "Porventura sou eu, Rabi?" Jesus respondeu solenemente: "Tu o disseste." Mat. 26:25.
Surpreendido e confuso ao ser exposto seu desígnio, Judas ergueu-se, apressado, para deixar a sala. "Disse pois Jesus: O que fazes, fá-lo depressa. ... E tendo Judas tomado o bocado, saiu logo. E era já noite." João 13:27 e 30. Noite se fez para o traidor ao sair ele da presença de Cristo, para as trevas exteriores.
Até dar esse passo, Judas não passara os limites da possibilidade de arrependimento. Mas quando saiu da presença de seu Senhor e de seus condiscípulos, fora tomada a decisão final. Ultrapassara os termos.
Admirável fora a longanimidade de Jesus no trato para com essa alma tentada. Coisa alguma que pudesse salvar Judas, deixara de ser feita. Depois de ele haver por duas vezes tratado entregar seu Senhor, deu-lhe ainda Jesus oportunidade de arrependimento. Lendo o secreto intento do coração traidor, Cristo lhe deu a última, cabal prova de Sua divindade. Isto foi para o falso discípulo a derradeira chamada ao arrependimento. Não se poupou nenhum apelo que o coração divino-humano de Cristo pudesse fazer. As ondas de misericórdia, repelidas pelo obstinado orgulho, volviam em mais poderoso volume de subjugante amor. Mas se bem que surpreendido e alarmado ante a descoberta de sua culpa, Judas apenas se tornou mais determinado. Da ceia sacramental saiu para completar sua obra de traição." (O Desejado de Todas as Nações, pág 653 a 655)