Capitulo 1
Irmão
Tempos difíceis. E perigosos. Tempos de AI-5. Lara não sabia o que a sigla significava, mais a temia pelo que não se falava sobre ela. O silêncio das pessoas dizia tudo o que precisava ser dito. O AI-5 era uma forma que o governo militar havia encontrado para perseguir as pessoas consideradas inimigas do país. E nesta lista negra entrava qualquer um: professores, sindicalistas, estudantes, escritores, cantores, enfim, todo mundo que não concordasse com as decisões do governo militar.
Lara foi a pé para a escola, como sempre fazia. Desta vez, no entanto, o medo a acompanhava como uma sombra invisível. Havia uma sensação gelada, que ganhava força com a ameaça trazida pelo desconhecido, pelo que podia acontecer. Não temia por ela e sim por Luke, o irmão seis anos mais velhos. Não sabia se ele estava na lista de perseguição iniciada pelo AI-5.
Era um dia bonito. Lara saiu da Rua Pedro Américo e virou à direita para pegar a Avenida Ana Costa e passar em frente à estação de trem Sorocabana. Naquele momento, nenhum trem de passageiros ou de carga atravessava a venida, para a alegria dos motoristas mais apressados. Quando o trem passavam, todo o trânsito naquela área ficava parado. Lara gostava do som estridente e barulhento do sinalizador que soava antes de a cancela baixar e interditar a avenida, para que os vagões pudessem seguir em paz pelos trilhos. Santos era mesmo uma cidade deliciosa para se viver.
Naquela manhã, a garota não prestou atenção em nada, nem no bonde 42 que parava para pegar passageiros no ponto logo adiante. Em breve, Santos perderia todos os seus bondes para dar lugar aos ônibus que já circulavam em números cada vez maior. Sinal dos novos tempos, acreditavam alguns. é a modernidade, reforçavam outros. Lara, com seus 14 anos, gostava de bondes, mas não podia deixar de admirar as novidades em um mundo que parecia mais e mais veloz. No ano anterior, um americano, Neil Armstrong, havia pisado na Lua pela primeira vez. A avó de Lara não cansava de repetir que as imagens que a TV tinha exibido para mostrar o astronauta caminhando sobre a superficial lunar não passava de mentira. "Tudo truque!", retrucava ela, com raiva dos Estados Unidos. Não era esse o país que havia incentivado o golpe militar no Brasil? Como Luke explicaria uma vez, em voz baixa e apenas à irmã Lara e à avó, os agentes da CIA tinham ensinado métodos de tortura aos policiais e militares brasileiros, os mesmos métodos hoje aplicados sem piedade aos prisioneiros do regime.
Lara pensou em Caetano Veloso e Gilberto Gil. Luke contara que os dois haviam sido presos, um ano antes, numa boate do Rio de Janeiro, quando faziam espetáculo. Após dois meses na prisão, tinham partido para o exílio, na Inglaterra. E se isso também acontecesse ao Luke? Lara tinha medo de que ela também acabasse preso, que fosse torturado e tivesse que ir embora do país. O que seria dela e da avó? As duas já morriam de saudades desde que ele trocara Santos e fora morar em São Paulo para estudar filosofia na USP. Já imaginou se o rapaz fosse obrigado a viver no exterior?
A garota respirou fundo e apertou os cadernos que carregava contra o peito. Espremido entre duas páginas, estava o dinheiro que entregaria ao irmão. Era tudo o que a avó conseguira arrumar. Luke não dera detalhes sobre o que estava acontecendo com ele. Ligara na véspera, pedindo para a irmã levar o dinheiro e encontrá-lo na biblioteca da escola onde ela estudava. O rapaz estava em perigo. Há tempos, Lara desconfiava de que o irmão estava fazendo mais do que participar de passeatas contra o governo, o que, aliás, agora era proibido. A avó queria levar pessoalmente o dinheiro, mas ele argumentara que a irmã não despertaria nenhuma suspeita. Afinal, ela estava apenas indo para a escola, dentro de sua rotina de sempre.
Lara continuou seguindo pela Avenida Ana Costa. Algumas casas ainda ostentavam na fachada, com orgulho, a bandeira nacional. O Brasil conquistava havia pouco o tricampeonato na Copa do Mundo, no México. O Colégio Santa Maria ficava numa das travessas da avenida, a poucas quadras da praia. Ocupava um quarteirão inteiro, com seus muros baixos de pedra branca. O prédio principal, em estudo neoclássico, fora erguido no final do século 19 e lembrava o "L" gigante, deitado para a direita. Na base da letra, ficavam a secretaria, a diretoria, a classe do pré, outras salas menores e o início da escadaria que levava para as sala de aula do primário e ginásio, no primeiro andar, e do clássico, do científico e do técnico em contabilidade, no segundo andar. Já no lado direito do prédio (a haste do "L"), no térreo, se espalhava a ampla biblioteca, aberta às terças e quintas ao público em geral. Acima dela, no primeiro andar, mais sala de aula e o laboratório. No segundo andar, mais salas de aula e o laboratório. No segundo andar, ainda desocupado, estava prevista a construção de um anfiteatro em breve.
Pintado de branco num reforço à sua aparência solene e tradicional, o prédio principal se destacava na paisagem do Gonzaga, um bairro de poucos edifícios e muitas casas residenciais. Em frente à Nossa Senhora, santa que batizava o colégio, e na lateral direita, a quadra para a prática de esportes. Ao fundo, mal se enxergava a minuscula casa do zelador. Já à esquerda do prédio principal, mais próximo ao muro, formava-se um tipo de corredor com a horta das crianças e, mais para dentro, a área de brincadeiras com balanços, escorregadores e gangorras, que continuava com o pátio atrás do prédio principal. Além dessa estrutura, o colégio contava com jardins bem cuidados, em vários pontos do terreno, em especial, na área livre entre a capela e o prédio principal e em frente `a biblioteca, diante do imponente portão de entrada e saída.
Ao dobrar a esquina da rua do colégio, Lara apertou o passo, com o coração batendo mais forte. Alcançou o portão da escola, se esqueceu de cumprimentar Gilmar (o zelador que também trabalhava como porteiro), acenou para duas amigas que fofocavam aos cochichos, na porta do prédio principal, à esquerda, lançou um olhar distraído para a capela, à direita, e atravessou a alameda central do jardim, que terminava na biblioteca. Ao entrar no local, esbarrou sem querer numa jovem loira de minissaia, muito bonita, de cabelos longos e franja que encobria os olhos muito maquiados.
- Desculpe! - Disse Lara, mas a jovem, apressada, saiu sem lhe dar atenção.
Atrás do balcão de atendimento, Conceição, a bibliotecária quarentona e simpática, se mostrou profundamente irritada ao ver a aluna que se aproximava apenas para lhe dar bom-dia.
- Faltam cinco minutos para a aula começar - disse a mulher, num tom de censura.
- Eu só vim pegar um livro... - tentou Lara, surpresa com aquela postura um tanto rude de uma pessoa sempre tão doce.
- Venha mais tarde.
- Mas...
- Eu disse para você vir mais tarde!
A autoridade sempre falaria mais alto. No entanto, naquele momento em que só pensava no irmão, a garota se fez de surda, acelerou o passo e escapou rumo aos corredores formados por estantes abarrotadas de livros, certa de que a bibliotecária iria atrás dela apenas para puxá-la de volta pelas orelhas. Conceição, porém, não se mexeu no seu posto junto ao balcão.
Estranho... a biblioteca estava vazia. Naquela hora da manhã era comum ouvir o burburinho dos alunos apressados que vinham devolver livros ou procurar outros para ajudá-los nos quilos de lição de casa que os professores costumavam passar.
Lara pegou o primeiro corredor, contornando-o a seguir para entrar no segundo. Depois, rapidamente, vistoriou o terceiro. Luke prometeu que entraria lá, no décimo corredor da esquerda para a direita... E se fosse no décimo corredor da direita para a esquerda? Isto mudava tudo! Eram 30 corredores no total, alinhados em paralelo, para a direita, logo após o balcão de atendimento e um grupo de mesinhas que os alunos utilizavam para estudar e fazer anotações dos livros.
A garota disparou para a outra ponta da biblioteca. Ouviu algumas vozes... pertenciam a adultos e não ás crianças e aos adolescentes de sempre. Sim, quinta-feira era dia de atendimento ao público em geral. Só que...
Desesperada, Lara alcançou o corredor certo, onde o irmão a esperava. A cena que encontrou foi a pior que poderia imaginar. Luke estava cercado por três homens truculentos e armados. Um deles se aproximou do rapaz, que não reagia, e o esmurrou com violência. Luke foi arremessado para trás, batendo contra os livros e as grossas prateleiras de madeira antes de cair de bruços no chão. Lara ia gritar, mas não conseguiu. Tinha parado de correr. Seu corpo tremia... de medo, de raiva, agitado por assistir àquela injustiça. O segundo homem se aproximou ainda mais do rapaz para enchê-lo de pontapés. Rosto, barriga, peito, braços, nada escapava aos chutes ferozes. O terceiro homem reforçou o ataque, enquanto i primeiro, muito satisfeito, apenas observava a situação.
Lara era uma adolescente magra e delicada. Mesmo assim, voou para cima dos dois homens que agredia, Luke. Tinha que segurá-los e tirar o irmão dali! Com força, agarrou um deles, pelo braço, puxando-o para trás.
- Não se meta nisso! - Brigou o sujeito, empurrando-a para longe.
Não, eles não iam levar o Luke! Lara retornou, com toda a revolta que conseguiu reunir, e se pendurou nas costas do sujeito para lhe cravar os dentes com força na orelha. O homem urrou, afastando-se automaticamente do rapaz que chutava sem piedade. Foi o segundo homem quem o ajudou a arrancar a menina de cima dele e jogá-la de volta ao chão. Lara caiu de qualquer jeito e, um pouco tonta, conseguiu se levantar, Ia retomar o ataque quando um som ensurdecedor invadiu o local.
Aturdida, a garota abaixou a cabeça para espiar o próprio corpo, O sangue encharcava a blusa branca do uniforme escolar. Um tiro atingira seu peito, na altura do coração, queimando e rasgando roupa, pele e carne. A dor terrível veio a seguir.
Lara ergueu o olhar para encontrar seu assassino. Ele ainda apontava a arma para a garota. Era o mesmo homem que esmurrara Luke e se afastara para acompanhar a surra, o mais jovem dos três. Não devia ter mais do que 20 anos. Os dois companheiros, preocupados, também o fitavam.
- Lara... - murmurou Luke, ainda estendido no chão e machucado demais para se mover. Ele a via somente naquele momento doloroso. Havia lágrimas em seus olhos, a culpa por ter colocado a irmã em perigo e, principalmente, o pânico pelo que aconteceria com ela.
O corpo da garota deslizou para baixo, para a frieza do piso da biblioteca. Os três homens não se importaram. Agiram rapidamente e, em segundos. Luke era carregado para longe. Sozinha, Lara sentiu o frio que antecipava o desconhecido. Não teve medo. Quando a escuridão surgiu ameaçadora, encontrou a garota corajosa de olhos abertos, pronta para encarar seu novo futuro.
Quinta-feira, 3 de setembro de 1970
Irmão
Tempos difíceis. E perigosos. Tempos de AI-5. Lara não sabia o que a sigla significava, mais a temia pelo que não se falava sobre ela. O silêncio das pessoas dizia tudo o que precisava ser dito. O AI-5 era uma forma que o governo militar havia encontrado para perseguir as pessoas consideradas inimigas do país. E nesta lista negra entrava qualquer um: professores, sindicalistas, estudantes, escritores, cantores, enfim, todo mundo que não concordasse com as decisões do governo militar.
Lara foi a pé para a escola, como sempre fazia. Desta vez, no entanto, o medo a acompanhava como uma sombra invisível. Havia uma sensação gelada, que ganhava força com a ameaça trazida pelo desconhecido, pelo que podia acontecer. Não temia por ela e sim por Luke, o irmão seis anos mais velhos. Não sabia se ele estava na lista de perseguição iniciada pelo AI-5.
Era um dia bonito. Lara saiu da Rua Pedro Américo e virou à direita para pegar a Avenida Ana Costa e passar em frente à estação de trem Sorocabana. Naquele momento, nenhum trem de passageiros ou de carga atravessava a venida, para a alegria dos motoristas mais apressados. Quando o trem passavam, todo o trânsito naquela área ficava parado. Lara gostava do som estridente e barulhento do sinalizador que soava antes de a cancela baixar e interditar a avenida, para que os vagões pudessem seguir em paz pelos trilhos. Santos era mesmo uma cidade deliciosa para se viver.
Naquela manhã, a garota não prestou atenção em nada, nem no bonde 42 que parava para pegar passageiros no ponto logo adiante. Em breve, Santos perderia todos os seus bondes para dar lugar aos ônibus que já circulavam em números cada vez maior. Sinal dos novos tempos, acreditavam alguns. é a modernidade, reforçavam outros. Lara, com seus 14 anos, gostava de bondes, mas não podia deixar de admirar as novidades em um mundo que parecia mais e mais veloz. No ano anterior, um americano, Neil Armstrong, havia pisado na Lua pela primeira vez. A avó de Lara não cansava de repetir que as imagens que a TV tinha exibido para mostrar o astronauta caminhando sobre a superficial lunar não passava de mentira. "Tudo truque!", retrucava ela, com raiva dos Estados Unidos. Não era esse o país que havia incentivado o golpe militar no Brasil? Como Luke explicaria uma vez, em voz baixa e apenas à irmã Lara e à avó, os agentes da CIA tinham ensinado métodos de tortura aos policiais e militares brasileiros, os mesmos métodos hoje aplicados sem piedade aos prisioneiros do regime.
Lara pensou em Caetano Veloso e Gilberto Gil. Luke contara que os dois haviam sido presos, um ano antes, numa boate do Rio de Janeiro, quando faziam espetáculo. Após dois meses na prisão, tinham partido para o exílio, na Inglaterra. E se isso também acontecesse ao Luke? Lara tinha medo de que ela também acabasse preso, que fosse torturado e tivesse que ir embora do país. O que seria dela e da avó? As duas já morriam de saudades desde que ele trocara Santos e fora morar em São Paulo para estudar filosofia na USP. Já imaginou se o rapaz fosse obrigado a viver no exterior?
A garota respirou fundo e apertou os cadernos que carregava contra o peito. Espremido entre duas páginas, estava o dinheiro que entregaria ao irmão. Era tudo o que a avó conseguira arrumar. Luke não dera detalhes sobre o que estava acontecendo com ele. Ligara na véspera, pedindo para a irmã levar o dinheiro e encontrá-lo na biblioteca da escola onde ela estudava. O rapaz estava em perigo. Há tempos, Lara desconfiava de que o irmão estava fazendo mais do que participar de passeatas contra o governo, o que, aliás, agora era proibido. A avó queria levar pessoalmente o dinheiro, mas ele argumentara que a irmã não despertaria nenhuma suspeita. Afinal, ela estava apenas indo para a escola, dentro de sua rotina de sempre.
Lara continuou seguindo pela Avenida Ana Costa. Algumas casas ainda ostentavam na fachada, com orgulho, a bandeira nacional. O Brasil conquistava havia pouco o tricampeonato na Copa do Mundo, no México. O Colégio Santa Maria ficava numa das travessas da avenida, a poucas quadras da praia. Ocupava um quarteirão inteiro, com seus muros baixos de pedra branca. O prédio principal, em estudo neoclássico, fora erguido no final do século 19 e lembrava o "L" gigante, deitado para a direita. Na base da letra, ficavam a secretaria, a diretoria, a classe do pré, outras salas menores e o início da escadaria que levava para as sala de aula do primário e ginásio, no primeiro andar, e do clássico, do científico e do técnico em contabilidade, no segundo andar. Já no lado direito do prédio (a haste do "L"), no térreo, se espalhava a ampla biblioteca, aberta às terças e quintas ao público em geral. Acima dela, no primeiro andar, mais sala de aula e o laboratório. No segundo andar, mais salas de aula e o laboratório. No segundo andar, ainda desocupado, estava prevista a construção de um anfiteatro em breve.
Pintado de branco num reforço à sua aparência solene e tradicional, o prédio principal se destacava na paisagem do Gonzaga, um bairro de poucos edifícios e muitas casas residenciais. Em frente à Nossa Senhora, santa que batizava o colégio, e na lateral direita, a quadra para a prática de esportes. Ao fundo, mal se enxergava a minuscula casa do zelador. Já à esquerda do prédio principal, mais próximo ao muro, formava-se um tipo de corredor com a horta das crianças e, mais para dentro, a área de brincadeiras com balanços, escorregadores e gangorras, que continuava com o pátio atrás do prédio principal. Além dessa estrutura, o colégio contava com jardins bem cuidados, em vários pontos do terreno, em especial, na área livre entre a capela e o prédio principal e em frente `a biblioteca, diante do imponente portão de entrada e saída.
Ao dobrar a esquina da rua do colégio, Lara apertou o passo, com o coração batendo mais forte. Alcançou o portão da escola, se esqueceu de cumprimentar Gilmar (o zelador que também trabalhava como porteiro), acenou para duas amigas que fofocavam aos cochichos, na porta do prédio principal, à esquerda, lançou um olhar distraído para a capela, à direita, e atravessou a alameda central do jardim, que terminava na biblioteca. Ao entrar no local, esbarrou sem querer numa jovem loira de minissaia, muito bonita, de cabelos longos e franja que encobria os olhos muito maquiados.
- Desculpe! - Disse Lara, mas a jovem, apressada, saiu sem lhe dar atenção.
Atrás do balcão de atendimento, Conceição, a bibliotecária quarentona e simpática, se mostrou profundamente irritada ao ver a aluna que se aproximava apenas para lhe dar bom-dia.
- Faltam cinco minutos para a aula começar - disse a mulher, num tom de censura.
- Eu só vim pegar um livro... - tentou Lara, surpresa com aquela postura um tanto rude de uma pessoa sempre tão doce.
- Venha mais tarde.
- Mas...
- Eu disse para você vir mais tarde!
A autoridade sempre falaria mais alto. No entanto, naquele momento em que só pensava no irmão, a garota se fez de surda, acelerou o passo e escapou rumo aos corredores formados por estantes abarrotadas de livros, certa de que a bibliotecária iria atrás dela apenas para puxá-la de volta pelas orelhas. Conceição, porém, não se mexeu no seu posto junto ao balcão.
Estranho... a biblioteca estava vazia. Naquela hora da manhã era comum ouvir o burburinho dos alunos apressados que vinham devolver livros ou procurar outros para ajudá-los nos quilos de lição de casa que os professores costumavam passar.
Lara pegou o primeiro corredor, contornando-o a seguir para entrar no segundo. Depois, rapidamente, vistoriou o terceiro. Luke prometeu que entraria lá, no décimo corredor da esquerda para a direita... E se fosse no décimo corredor da direita para a esquerda? Isto mudava tudo! Eram 30 corredores no total, alinhados em paralelo, para a direita, logo após o balcão de atendimento e um grupo de mesinhas que os alunos utilizavam para estudar e fazer anotações dos livros.
A garota disparou para a outra ponta da biblioteca. Ouviu algumas vozes... pertenciam a adultos e não ás crianças e aos adolescentes de sempre. Sim, quinta-feira era dia de atendimento ao público em geral. Só que...
Desesperada, Lara alcançou o corredor certo, onde o irmão a esperava. A cena que encontrou foi a pior que poderia imaginar. Luke estava cercado por três homens truculentos e armados. Um deles se aproximou do rapaz, que não reagia, e o esmurrou com violência. Luke foi arremessado para trás, batendo contra os livros e as grossas prateleiras de madeira antes de cair de bruços no chão. Lara ia gritar, mas não conseguiu. Tinha parado de correr. Seu corpo tremia... de medo, de raiva, agitado por assistir àquela injustiça. O segundo homem se aproximou ainda mais do rapaz para enchê-lo de pontapés. Rosto, barriga, peito, braços, nada escapava aos chutes ferozes. O terceiro homem reforçou o ataque, enquanto i primeiro, muito satisfeito, apenas observava a situação.
Lara era uma adolescente magra e delicada. Mesmo assim, voou para cima dos dois homens que agredia, Luke. Tinha que segurá-los e tirar o irmão dali! Com força, agarrou um deles, pelo braço, puxando-o para trás.
- Não se meta nisso! - Brigou o sujeito, empurrando-a para longe.
Não, eles não iam levar o Luke! Lara retornou, com toda a revolta que conseguiu reunir, e se pendurou nas costas do sujeito para lhe cravar os dentes com força na orelha. O homem urrou, afastando-se automaticamente do rapaz que chutava sem piedade. Foi o segundo homem quem o ajudou a arrancar a menina de cima dele e jogá-la de volta ao chão. Lara caiu de qualquer jeito e, um pouco tonta, conseguiu se levantar, Ia retomar o ataque quando um som ensurdecedor invadiu o local.
Aturdida, a garota abaixou a cabeça para espiar o próprio corpo, O sangue encharcava a blusa branca do uniforme escolar. Um tiro atingira seu peito, na altura do coração, queimando e rasgando roupa, pele e carne. A dor terrível veio a seguir.
Lara ergueu o olhar para encontrar seu assassino. Ele ainda apontava a arma para a garota. Era o mesmo homem que esmurrara Luke e se afastara para acompanhar a surra, o mais jovem dos três. Não devia ter mais do que 20 anos. Os dois companheiros, preocupados, também o fitavam.
- Lara... - murmurou Luke, ainda estendido no chão e machucado demais para se mover. Ele a via somente naquele momento doloroso. Havia lágrimas em seus olhos, a culpa por ter colocado a irmã em perigo e, principalmente, o pânico pelo que aconteceria com ela.
O corpo da garota deslizou para baixo, para a frieza do piso da biblioteca. Os três homens não se importaram. Agiram rapidamente e, em segundos. Luke era carregado para longe. Sozinha, Lara sentiu o frio que antecipava o desconhecido. Não teve medo. Quando a escuridão surgiu ameaçadora, encontrou a garota corajosa de olhos abertos, pronta para encarar seu novo futuro.