O fogo crepitava gentilmente entre os pedaços de madeira em chamas na lareira. Aquilo tudo deixava o ambiente em volta quente e aconchegante, infinitamente melhor do que o frio frenético do lado de fora. Alice remecheu os olhinhos âmbar e recolheu os joelhos junto ao corpo. Só de pensar em estar lá fora era uma tortura. Ao seu lado Boris, o labrador, dormia de barriga para cima, como se esperasse por algum afago da dona. A pequena garota deslizou suas mãozinhas através do pelo macio do cachorro, provocando cócegas no mesmo. E ele retribuía o carinho com lambidas e grunhidos.
Entre um bocejo e outro, ela observava atenta os ponteiros do grande relógio deslizarem com o passar do tempo. Já era tarde, mas ela não se importava. Queria estar ali quando
ele chegasse. A cada vez que uma sombra ou barulho se projetava do lado de fora, seu coração ficava acelerado, mas logo caia em um marasmo de angústiva novemente.
Quase meia noite, pensou consigo.
Olhou mais uma vez para a mesinha de centro, conferindo se tudo estava como planejado. O leite, os biscoitos, o cobertor e algumas velas. Ele poderia precisar no caminho, caso faltasse energia, sempre dizia. E quando o relógio marcou meia noite, ela cansou-se de esperar. Agarrou seu casaco, colocou a coleira em Bóris, e com muita força o arrastou para fora.
O frio era bravio e impetuoso. Faria qualquer um recuar. Mas ela estava determinada em encontrá-lo. Ela precisava vê-lo antes que ele se fosse por mais um ano. O cão teimava em voltar para perto da lareira, o que foi inútil perante a determinação da menina. Andou por mais de dois quarteirões antes que a neve começasse a dificultar as coisas. A respiração tornou-se difícil. A visão ficou turva. E em segundos, ela caiu exausta e com frio no chão fofo coberto de neve e gelo.
Lentamente, seus olhos foram se abrindo, e a vista se reestabelecendo. Quando o foco tornou-se nítido, ela sentou-se de súbito. Não estava mais na rua, em meio a nevasca. Tampouco estava em sua casa. Aliás, ela não sabia onde estava. Pôs-se em pé, logo antes de tropeçar em Bóris que jazia ao seu lado, sonolento.
Onde estou? Só então, depois de alguns minutos, prestou atenção no lugar. Era uma sala, com piso e paredes de mármore negro, uma lareira grande e quente ao fundo, e um tapete de peles sob seus pés. Haviam também sofás confortáveis e espaçosos, umas duas mesinhas e uma poltrona reclinável, de onde um velho senhor a observava.
-Já está melhor? - perguntou ele com uma voz gentil.
-Sim. - respondeu. -Onde estou?
-Na minha casa. Encontrei você caída na neve lá fora, então a recolhi para que não ficasse doente. - disse o velho. -A propósito, o que fazia naquele tempo?
Alice corou. Não sabia se deveria contar, ainda mais para um estranho. Mas havia algo naquele senhor que a fizera se esquecer de tudo.
-Queria encontrar o Papai Noel. - disse em sua inocência. -Todos os anos eu espero por ele, e dessa vez não queria que ele fosse embora sem me ver.
O homem sentou-se de forma mais confortável, mas que o permitia ter uma boa visão da menina.
-E por que todo esse interesse no Papai Noel? - indagou ele curioso.
-Eu queria saber como ele é. Todos o descrevem como muitas coisas, amor, alegria, esperança, um velho de barba branca... mas eu queria vê-lo pessoalmente. E também agradecer à ele.
-Que interessante, disse o velho. -Conte-me mais.
Era estranho, mas Alice sentia-se à vontade para contar tudo sobre seu plano de encontrar a figura mais popular do natal. E também o desejo de agradecer-lhe pela boneca que ganhara ano passado. Seus pais estavam com dificuldades para comprar-lhe qualquer coisa, e mesmo assim, no dia de natal ela ganhara seu presente desejado.
Entre as conversas, ela serviu-se de leite quente e biscoitos, deliciosos como percebia-se em seu entusiasmo para comer. E também perdeu-se no tempo, ouvindo as histórias do velho, sobre sua neta, e as aventuras que fazia todo verão. Logo, quando Alice notou que o céu mudava suas cores para tons de amarelo, o nascer do sol, constatou que passara a noite acordada.
-Já está quase de manhã, e não vi o Papai Noel. - disse aborrecida.
-Não se preocupe, querida. Tenho certeza que ele a está vendo neste momento, onde quer que ele esteja.
-É, eu sei. Mas queria ter tido a oportunidade de vê-lo pessoalmente.
-Bom, como dizem, ele vive dentro de cada um que mantém vivo o espírito do natal dentro dos seus corações. E eu acredito nisso.
-Obrigada. Se o senhor que é tão gentil acredita nisso, acho que também posso acreditar. - espondeu ela com um sorriso. -Ah, como é mesmo seu nome?
O velho sorriu, no mesmo segundo em que Alice abriu os olhos. Assustada levou as mãos aos olhos, tentando limpar a visão. Estava em casa. Sua casa. Adormecera sob o tapete, com Bóris ao seu lado. O relógio já marcava sete da manhã. Tudo aquilo fora um sonho? Então viu, sob a mesinha de centro, o copo de leite vazio, biscoitos por terminar, e um bilhete amarrotado.
Obrigado pela hospitalidade. Ficou muito feliz e agradecido por ter sido minha amiga esta noite. Feliz Natal.
Alice largou-se novamente no tapete sorrindo de felicidade, alisando a barriga do cachorro.
-Eu o vi, Bóris. Eu vi o Papai Noel.