Natal Negro
No pequeno povoado de Oberstdorf, na região Alemã da Baviera, com cerca de 500 habitantes, o Natal sempre era uma ocasião especial, a neve, as fortes tradições germânicas (e europeias, em geral), que vinham desde os primórdios das civilizações, tudo isso contribuía com que essa época do ano fosse motivo para grandes comemorações, grandes festas e banquetes para as poucas famílias que habitavam a região.
Como era de se esperar, também havia uma grande árvore de Natal, que era colocada na única praça do pequeno povoado, e onde depois havia a tradicional troca de presente entre todos, em que sempre algum dos mais velhos se vestia de Papai Noel, e distribuía os presentes para os respectivos donos.
Isso era ideia do “líder”, pode-se dizer que era como se fosse um prefeito, mas como o vilarejo era bem pequeno, uma pessoa era escolhida pelo Conselho dos Anciãos (grupo com os membros mais antigos, que decidiam sobre quase tudo o que acontecia ali, julgavam conflitos, e escolhiam alguém para ser o líder político do local), e, no caso, o escolhido tinha sido o bondoso Franz Spitznamen.
Só que nem tudo era alegria nesse período, a região da Baviera é conhecida pelas suas grandes montanhas e relevo acentuado, onde existem os Alpes, cadeias rochosas cobertas de neve, e em uma delas, conta-se que existe uma caverna onde mora um perigoso ser, o Krampus.
Esse ser estava sumido a muitos e muitos anos, mas os mais velhos do vilarejo ainda conheciam a sua história, e evitam falar sobre isso para os mais novos, com o intuito de evitar que se cause pânico desnecessário, e também não havia a necessidade, já que a criatura havia sumido a bastante tempo.
O Krampus é um demônio – por assim dizer – que ajuda o Papai Noel, enquanto o “Bom Velhinho” entrega os presentes as crianças que se comportaram, o Krampus pune aquelas que tiveram um comportamento inadequado.
E assim foi o que ocorreu naquele ano, um garoto, chamado Lukas Münsachen, e seu amigo, Joseph Westerman, com seus respectivos oito e nove anos, eram os que chamavam a atenção dentro da comunidade, afinal os garotos quase que não tinham limites e eram muito travessos.
Jogar neve nas pessoas era um dos passatempos preferidos deles, também gostavam de montar ou provocar os animais, ovelhas, carneiros (as quais eram criadas pela comunidade) e os domésticos, como os vários cães.
As vésperas do Natal, tudo já estava pronto na cidade, os famosos “pisca-pisca”, a árvore montada na praça da cidade, todos já estavam em clima de festa, terminando os últimos retoques em suas casas em relação à decoração.
A cidade adormeceu, e enquanto isso uma criatura saia de sua caverna, no topo de uma das montanhas remotas nos Alpes, e descia em direção à vila...
Ao nascer do sol, já se podia ouvir “feliz natal” ecoando por toda Oberstdorf, vizinhos se cumprimentando, famílias se cumprimentando, a mágica do Natal estava sobre a comunidade, como sempre acontecia, e não podia ser diferente.
O dia passou como deveria ser: alegria do ar, crianças criando bonecos de neve, brincando de “guerrinha de neve”, os adultos conversavam, só havia espaço para a alegria. Mas no final das contas, todos esperavam mesmo é pela noite, com a conhecida (e deliciosa) Ceia de Natal, e com a distribuição dos presentes.
E a hora tinha chego, todas as pessoas se reuniam na praça, uma enorme fogueira tinha sido acesa ali, e todos comiam e bebiam a vontade, tinham duas mesas enormes, que tinham sido preparadas desde o começo do ano apenas para a ocasião, foram feitas de modo que nas duas mesas coubesse toda a população dali), foram feitas a partir da madeira dos pinheiros, comuns naquela região, onde fica uma grande floresta boreal.
Após todos terem se empanturrado de comer, chegou a hora de distribuir os presentes, um antigo morador da vila, tinha se vestido de Noel, e tinha uma lista na mão, com nome de todos os moradores e um saco enorme atrás de si, onde ficavam todos os presentes que seriam distribuídos no momento.
Os dois garotos, Luke e Joseph, estavam sentados um do lado do outro na mesa, e uma coisa chamou a atenção deles, algo que vinha detrás de um arbusto ali perto, e com uma troca de olhar, ambos resolveram ir ver o que tinha ali, aproveitando-se do momento em que todos se levantassem das mesas para ficarem em volta da fogueira, na entrega dos presentes.
Os dois habilmente se esguiaram por meio da multidão e foram atrás do arbusto, que se mexia incessantemente, quando eles tiraram o arbusto e viram o que tinha atrás, se surpreenderam... Uma caixa cuidadosamente embrulhada com um laço vermelho, um presente. E atrás dele, outro, e mais outro.
Os garotos acharam o máximo aquilo, e foram pegando, até que, detrás de uma árvore, surgiu uma criatura horrenda: sua pele era coberta por pele de ovelha, como se fosse um casaco que estivesse sobre ele, sua face, deformada, no seu olho direito, passava uma cicatriz enorme, que ia até o meio da testa, não abria tal olho, era cego do lado direito, tinha dois chifres incrivelmente grandes, e um rabo que se mexia constantemente, a criatura tinha mais de dois metros de altura, sua boca aberta revelava dois dentes desproporcionais, os caninos eram muito maiores do que o normal, as rugas na sua face, e suas orelhas deformadas, como se faltasse um pedaço de ambas, lhe davam uma aparência grotesca, demoníaca e assustadora.
Antes de qualquer um dos garotos gritaram, o Krampus avançou, pegou Joseph com suas mãos enormes repletas de garras completamente afiadas, que saíram com uma velocidade impressionante debaixo das peles e tapou a boca, Lukas tentou correr, mas com um tapa foi arremessado em direção a uma árvore, onde caiu desacordado, tingindo a alva neve de vermelho.
Como se fossem dois bonecos, Krampus os pegou em suas mãos, e partiu de volta para seu lar nas montanhas.
Alguns dias depois, era possível ouvir uma conversa na casa de Franz, ele estava lá com mais três pessoas idosas, visivelmente tenso com o rumo que a conversa tinha tomado:
-Mas será possível que essa criatura tenha voltado depois de tanto tempo? – indagou Franz.
- Possivelmente sim – ponderou o ancião que estava perto da janela, olhando do lado de fora a calmaria do isolado local.
-Isso não é possível... - continuava Spitznamen, querendo não acreditar.
-O que não pode acontecer, de maneira nenhuma, é que outras pessoas fiquem sabendo disso, só vai causar mais pânico, e antigamente sempre enfrentávamos o Krampus, não há nada que simples humanos podemos fazer, a não ser ficar fora do caminho dele e proteger nossos familiares, a quem amamos e a nós mesmos, se é necessário que alguns sejam sacrificados, infelizmente é assim que tem que ser – finalizou aquele que parecia ser o mais velho na sala.
E, chamando os outros, se despediram e saíram da casa, sem dizer nenhuma palavra.
Os garotos nunca mais foram vistos.