A Canção da Raposa
Aryella é uma princesa no reino de Kallyen, no extenso país de Bëhanor - país este onde vivem elfos, anões, dragões, feiticeiros e outras criaturas místicas. Após a sua família ser raptada e assassinada, ela tem que fugir numa batalha pela sua vida, ao lado do jovial cavaleiro Fernand Wheynn, filho daquele que comandou o massacre à família da princesa. Quando tudo se revela uma revolta dos humanos que vai muito além de um massacre familiar, todas as raças do país tornam-se expostas ao cruel poderio humano e tanto Fernand como Aryella estão sujeitos à tortura, uma vez que decidem se por contra a sua própria raça. Juntos, eles percorrerão todos os cantos de Bëhanor, à procura de segurança e de um exército para marchar contra as forças dos homens e saciar um sentimento que tomou conta da donzela e a transformou numa verdadeira raposa predadora: vingança.
PrólogoAryella é uma princesa no reino de Kallyen, no extenso país de Bëhanor - país este onde vivem elfos, anões, dragões, feiticeiros e outras criaturas místicas. Após a sua família ser raptada e assassinada, ela tem que fugir numa batalha pela sua vida, ao lado do jovial cavaleiro Fernand Wheynn, filho daquele que comandou o massacre à família da princesa. Quando tudo se revela uma revolta dos humanos que vai muito além de um massacre familiar, todas as raças do país tornam-se expostas ao cruel poderio humano e tanto Fernand como Aryella estão sujeitos à tortura, uma vez que decidem se por contra a sua própria raça. Juntos, eles percorrerão todos os cantos de Bëhanor, à procura de segurança e de um exército para marchar contra as forças dos homens e saciar um sentimento que tomou conta da donzela e a transformou numa verdadeira raposa predadora: vingança.
As chuvas caíam sobre o piso de pedras, no pátio leste do castelo. O barulho das gotas se chocando com o chão e com as folhas das árvores que circundavam o octógono rochoso aprazia à princesa Aryella. A jovem donzela de dezesseis anos gostava dos dias chuvosos, pois eles lhe traziam doces memórias de sua infância. Antigamente, eram raros os dias que a chuva não vinha visitar a fortaleza de Kallyen e, toda vez que aparecia, trazia junto os primos que moravam em seus pequenos fortes ao redor do castelo principal. Juntos, corriam pelos vinte andares que compunham a torre central e principal de Kallyen.
Claro, algumas vezes essas chuvas também traziam tristeza, como era o caso das chamadas Chuvas Vermelhas. As guerras ocorriam, como é de se esperar, e também, como sempre acontece, tinham as baixas. Os corpos que conseguiam ser resgatados eram levados de volta às suas terras - vale ressaltar que só os nobres tinham essa dádiva - e, como que por sinal, as chuvas vinham fortes e as rajadas de vento sopravam todas as folhas cor-de-sangue dos bordos vermelhos do pequeno reino de Greeven. Fora em uma das Chuvas Vermelhas que seu avô tinha voltado da guerra e dormido no suave sono da eternidade.
Aryella saiu da janela onde estava debruçada e caminhou para o salão de entrada do castelo. Naquele dia, o local estava com velas penduradas pelas paredes e o enorme lustre de duzentas velas, aceso; o gigantesco tapete preto com traços de esmeralda, que se estendia da porta principal ao topo da escadaria, tinha sido trocado por um outro, ligeiramente maior, cujos tons de anil e turquesa pareciam brilhar e refletir nos altos tetos do salão como se fosse um rio iluminado por baixo. Estendia-se do topo das escadarias de dentro até o pátio de entrada, outrora chamado apenas de pátio sul.
"Alguém importante vem aí" pensou consigo mesma, tentando lembrar a que família aquelas cores pertenciam. "Seriam os Lime ou os Weynn?"
Ela soube, então, quando o príncipe entrou, molhado, em sua armadura anil com um grande corcel detalhado em turquesa na placa de peito e outros desenhos semelhantes, porém em menor tamanho, espalhados pelo resto do equipamento de guerra. Seu elmo jazia sob o braço direito, permitindo que a donzela pudesse admirar seu belo rosto. O rapaz faria dezessete em algumas semanas, no entanto, tinha o corpo e o comportamento de um nobre lorde. Era alto, de ombros largos, com cabelos curtos, negros como a escuridão pode ser e levemente enrolados, maxilar quadrado e o nariz um pouco longo. Ah, sim... E seus olhos, duas pedras brilhantes, oscilando entre tons de ciano e violeta. Aqueles olhos magníficos deixavam a maioria das garotas derretidas, sempre deixaram, mas não Aryella. Esta, particularmente, detestava tais olhos e, se não fosse por uma questão de cortesia e segurança, teria arrancado os olhos daquele ali em sua frente.
- Príncipe Weynn. - disse, docilmente, a donzela, enquanto segurava os lados de sua saia e curvava os joelhos, numa rápida e suave graciosidade. - Bela armadura, senhor.
O cavaleiro curvou-se, em cortesia, e retornou à posição ereta que estava, porém, agora mais próximo da princesa.
- Fico contente por admirar a armadura, Lady Greeven. - ele sorriu. - Como as coisas estão indo no reino?
- Relativamente boas. Vez ou outra temos uma Chuva Vermelha, mas, deuses, agradeço quando essas chuvas vêm. As chuvas, num geral, têm ficado escassas nos últimos anos.
- Isso é bem verdade, nas terras de Waterbright, vizinhas às nossas terras Weynn, todos os rios, lagos e cachoeiras com as águas brilhantes têm secado cada vez mais. Mas um sol cairia bem agora. - o cavaleiro soltou um risinho.
Só então ela tinha notado o quão molhado o jovem estava e, por maior antipatia que ela pudesse manter por ele, tinha que ser educada.
- Perdão, príncipe Weynn! Por favor, siga-me até o quarto de hóspedes. Lá há uma banheira, mandarei os criados a encherem com água quente. - "Se possível, fervendo. E por um momento eu pensei que pudessem ser os Lime. As cores deles são lima e prata, sua estúpida!".
- Não há problemas, princesa. Agradeço, antes de mais nada. E pode me chamar de Fernand. - e, outra vez, deu o sorriso malicioso.
Seguiam até o quarto andar, onde ficavam todos os quartos de hóspedes, e, durante o caminho, foram conversando.
- Veio de tão longe, prin... Fernand. Como estão as estradas?
- Como sempre foram: cheias de ladrões, esfomeados, sem-tetos, corvos e lama.
- Oh, essa chuva deve ter piorado a situação - comentou Aryella. - Deseja que o cavalariço limpe seu corcel, imagino.
- Ficaria agradecido, senhora.
Estavam subindo as escadas para o quarto andar, quando Aryella percebeu uma coisa.
- Onde estão os outros?
- Que outros?
- O resto da sua família. Minha mãe e meus irmãos tinham ido encontrá-los nos portões do reino e até então não voltaram...
O príncipe parou de súbito, na frente dela, e soltou uma risada de deboche. Em seguida, puxou a espada da bainha numa velocidade incrível, ao passo que Aryella jogou-se para o lado, puxando um punhal de uma pequena bainha presa à sua canela.
- Eles estão tomando o seu reino. Já devem ter acabado com a sua família e em breve estarão aqui para matar você também. Pode guardar esse punhal, eu vim ajudar você.
- Mas porque demorou tanto...?! - ela gritou. Não era fácil acreditar no que ele dizia, muito menos quando ele era irmão de quem era.
- Eu sei que há uma saída no quarto andar que leva para um calabouço que dará fora do reino.
- C-como você sabe disso? - nem ela própria tinha conhecimento daquilo.
- Seu pai confindenciou a mim antes de morrer.
- M-m-meu pai... Está... morto?! - ele tinha saído para batalhar junto aos Lime, Wheynn, Allcanter e Wolfend há um mês, prometeu que voltaria.
- Sim, e é melhor você se apressar agora, se não quiser juntar o seu cadáver ao dele, princesa.
E assim, príncipe e princesa fugiam para o fim do corredor direito no quarto andar, pulando dentro de um alçapão no chão. A última coisa que vislumbrou, por entre as lágrimas, foram os olhos brilhantes de Fernand, e então a escuridão do calabouço tomou conta.