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Por favor leiam. Ótimo texto de Soraia Neves sobre a participação de partidos de esquerda nos atos contra o aumento das passagens!
Nota de Tristeza
Hoje minha nota é de tristeza, não é de agradecimento, nem de apoio, é de tristeza.
Muitos poderão me perguntar - "Mas por que tristeza? Há centenas de milhares nas ruas protestando contra o aumento das tarifas de ônibus! Não era isso que você queria? O gigante acordou! Até o ABC agora tá na luta!" - É, estou feliz por isso...mas minha felicidade é incompleta.
Hoje iniciamos no ABC um ato contra o aumento das passagens, algo que prometeu e me parece que foi muito grande, dadas as informações que tive. Em SBC nem ônibus conseguia passar, aproximadamente 3 mil no Paço Municipal, São Caetano também lotada e Sto André indo também a esse grande encontro.
Para ir ao ato, e acredito que não fui a única, fiquei mais de 3 horas dentro de ônibus (hoje nenhum compromisso a não ser o ato foi possível. Em todos houve atraso) para chegar na estação de Santo André e encontrar quem ia para o ato.
Para me juntar aos outros companheiros fui com mais gente caminhando até a Dom Pedro II, chegamos em poucos e ficamos em frente ao Parque Celso Daniel concentrados, aguardando mais gente para andar. Fizemos cartazes e começamos a cantar algumas palavras de ordem quando ali me deparei com algo muito difícil de digerir, algo que nunca tinha vivido em meus alguns anos militância.
Um grupo de pessoas, não sei quantas em média, começou a chamar palavras de ordem e apontando pra mim com fúria. E por que? Porque vestia uma camiseta do meu partido, o PSTU.
Outro grupo veio na direção, com bandeira do Brasil e cantando o Hino Nacional. Esses também se juntou ao grupo e começou a pedir que meu partido se retirasse do ato ou que eu tirasse minha camiseta.
Tentei por diversas vezes explicar o motivo de usar a camiseta, explicar que os partidos não são todos iguais. Que meu partido constrói há anos essa luta e outras lutas no ABC, e não somente no ABC mas no país; que meu partido não faz parte desse vale-tudo eleitoral dos grandes partidos, que prefere a luta como arma de mudança social. Até em momentos de histeria tive que entrar. Gritava que esse papel cumprido por alguns que impulsionaram o ato a perder seu foco e ter como ponto principal a participação de partidos, era manipulação da direita, dessa mídia desavergonhada que diz para a população "Sem partidos! Essas manifestações não são políticas!" quando esses mesmos se organizam muito bem em seus partidos para melhor explorar e negociar os direitos de nossa classe, que isso era um verdadeiro gesto de autoritarismo, uma verdadeira ditadura contra os organizados.
Ouvi as piores coisas possíveis, até palavras de baixo calão contra minha organização. Mas o maior dos cúmulos foi um rapaz que no meio da concentração me pediu que tirasse a minha camiseta. Perguntei a ele - "Você quer que eu fique nua na rua?" - e ele respondeu enquanto tirava sua própria camiseta - "Se eu posso tirar você também pode!" - como se ele, homem, fosse tão oprimido quanto eu, que sou mulher e que não tenho a mesma liberdade que ele de em dias de calor me despir e andar pelas ruas tranquila.
Pessoas gritavam "Vamos andar, deixa ela sozinha fazer o protesto dela! Não vamos deixar ela andar no ato com a gente!" como se a minha presença minoritária com minha camiseta fosse garantir que meu partido fosse "dono do ato" sendo que esses que falavam isso eram os que mais pareciam querer ser os donos de um ato que mal começara.
Dentre as pessoas presentes nesta concentração (aproximadamente 100 pessoas) estavam alguns amigos, alguns companheiros de outras lutas alguns conhecidos do tempo de universidade. Nem esses (e vi o esforço de alguns) conseguiam defender a pluralidade de organizações e de ideias dentro do ato. Alguns se sentiram coagidos em me defender das ofensas, alguns tentavam chamar palavras de ordem como "a causa é uma só!" outros mal vi na hora que quase partiram pra me agredir. Cheguei a ouvir de pessoas queridas (que não cabe dizer o nome, cada um sabe o que fala, o que faz e a consciência que tem) que não ia ficar perto de mim porque minha camiseta do PSTU "queimava o filme". Doeu ouvir isso de quem me viu correr pelos corredores da universidade, que me viu passar em salas, que me viu perder aulas pra tentar organizar a luta.
Por fim os policiais me chamaram de canto, pediram para que eu não ficasse no ato, que esperasse mais gente chegar pois com o número de pessoas que estavam lá me rodeando e gritando contra a minha presença e de meu partido, era possível que a qualquer momento saísse dali agressão física. Pois bem, sentei na guia e fiquei excluída do ato enquanto não via uma palavra de ordem contra o governo, enquanto não via nenhum cartaz sendo levantado, enquanto não via classismo em nada, enquanto via dois ou três negociando com a Polícia a caminhada pela Dom Pedro II (Pois é, preferiram andar com a Polícia ao lado do que comigo e mais uma companheira que também estava com a camiseta do PSTU apoiando a manifestação).
Foi nesse exato momento que levei mais um susto. Recebo a notícia de que meu pai passou mal e de que o Samu estava indo buscá-lo em casa, em São Bernardo do Campo. E eu?...eu estava em Santo André tentando participar do ato que me impediram. Nesse caso nem vou me aprofundar, a quem interessar digo que ele está na UPA, em observação.
Nessa hora passou pela minha cabeça "Estou mais ou menos, entre indas e vindas há 6 anos no partido. Já acordei de madrugada pra panfletar, já fiz vigília em ocupação, já participei de movimento estudantil, já fui em inúmeros atos contra aumento das passagens, já fui em assembleias das greves, já fui em ato grande, em ato pequeno, já passei diversos finais de semana sem ver minha amada mãe e família, já abri mão de festas, de saídas com amigos, de amores, já apanhei, já levei dedo na cara, já corri de Polícia...e tudo isso para que em um momento em que a luta cresce e que devemos lutar contra os governos que rifam os direitos ao futuro da juventude e dos trabalhadores, atos que tomam proporções gigantescas, os novos manifestantes venham dizer "Fora! Sem partidos! Aqui não é uma luta política!"?
Não, não aceito! Muitas pessoas como eu, organizadas em partidos de maneira voluntária, sem receber um tostão por isso, porque acreditam que o sonho da revolução é possível tem a obrigação (não só o direito, tem a obrigação!) de levantar suas bandeiras em nome dos explorados desse país e do mundo, em defesa do trabalhadores.
Não culpo boa parte dos indivíduos que estavam lá fazendo isso, não mesmo. Eu coloco a culpa desses últimos vinte anos de retrocesso, de refluxo e de congelamento das lutas dos trabalhadores e da juventude brasileira no PT, na UNE e na CUT. Essas organizações negociaram os nossos direitos, capitularam a via burguesa de governar e administrar o aparelho do Estado, deixaram os que acreditaram um dia na mudança sem referência de luta e achando que nada tem jeito, que tudo sempre será assim, que os partidos são todos farinha do mesmo saco. Essas organizações roubaram os únicos instrumentos legítimos da classe trabalhadora: os partidos e sindicatos e fizeram do parlamento e dos cargos burocráticos nos sindicatos a regra!
Hoje colhemos essa "maçã envenenada" que essas organizações plantaram, hoje sofremos com a direita tentando tomar para si a luta que não é dela contra um sofrimento que não é ela que sente no dia-a dia, hoje vemos o capitalismo transformando também em mercadoria as manifestações (vide Glória Kalil e outros), colocando a sua imprensa suja a serviço de divulgar os atos que hoje exaltam como um exemplo de democracia, mas que há alguns dias atrás chamavam de criminosos e compostos por minorias.
Uma vez ouvi alguém se queixando, dizendo que militar era complicado e junto a isso veio uma resposta que ouvi com muita atenção e guardei pra mim- "Ninguém disse que seria fácil" - realmente hoje cheguei a essa conclusão. Hoje foi só um desabafo, um dia triste para os que sonham e lutam, um dia triste para muitos dias de plena felicidade que espero que todos vivam numa sociedade livre, numa sociedade sem classes, numa sociedade socialista! A luta continua, continuamos remando contra a maré!