Já de antemão deixo avisado que não espero que qualquer pessoa entenda o texto. É algo "psicodélico", sem sentido (non-sense) claro, cheio de metáforas e com "easter eggs". Não, eu não usei drogas pra escrever isso (eu acho). Ah! Também não espero que gostem, ou qualquer coisa do tipo, afinal é um texto meio depressivo e meia-boca, só pra não apagar minha marca aqui nos Fanficters. XD
Boa leitura!
Boa leitura!
Facas Cegas ♛
Os cachos dourados se lançavam sobre os ombros caídos da pequena garota - Rita, ela se chamava -, cujos olhos cinzentos fixavam-se em seu reflexo projetado numa janela qualquer, fechada em decorrência de uma chuva matinal de inverno. O ranger da cadeira de balanço ecoava por todo o sótão, acompanhado pelo contínuo tic-tac de um relógio de pulso, enrolado em alguma das dobras do grande vestido vitoriano preto de Rita.
Com as mãos sobre as pernas, ela pôde recordar-se de seu amante secreto e de como seu toque fazia cada pêlo de seu corpo se eriçar. Por uma fração de segundo, permitiu que a saudade atingisse seu coração uma vez mais e sentiu uma única lágrima descer, quente e rápida, por sua face e surpreendeu-se.
Ele estava morto, de fato, ele e todos os outros. Alguns, na verdade, estavam vivos, mas, ao mesmo tempo, mortos; seus corações batiam, mas o corpo era uma casca vazia, não sabiam mais amar, odiar, sorrir e tampouco chorar.
Um corpo sem alma é como uma ostra sem sua pérola, uma casa de bonecas sem bonecas, uma marionete sem seu titeriteiro.
A morte torna-se inútil perante uma alma já perecida, tal como uma lanterna perde seu uso sob a luz do dia.
A lágrima única tocou o chão e Rita entendeu que não estava morta... Ainda. Se por um lado isso significava que ela ainda podia amar, por outro, significava que ela ainda podia sofrer. Preferia voltar ao estado catatonico, balançando em sua cadeira, ouvindo os ponteiros do relógio e a chuva bater na janela, mas sabia que isso não era possível. Uma vez presenteada com a vida, estava fadada a seguir seu rumo, com todo o sofrimento necessário, até a morte definitiva.
Mas ela já sofrera mais do que qualquer um no mundo deveria sofrer, quando vira sua família, seus amigos e, sobretudo, seu amor virarem cinzas, serem engolidos pelas chamas. Um incêndio num cemitério, nada poderia ser mais cômico... Nem mesmo o fato de estarem todos num enterro, nem mesmo o fato de estarem todos em seu enterro.
Uma risada insana, mais lembranças, mais lágrimas, mais vida e mais sofrimento, tudo em poucos minutos. Uma faca, um pulso e sangue...
... Um corte, uma morte.
"Eu poderia ter me levantado da cadeira. Eu poderia ter saído na rua. Eu poderia ter sentido a chuva cair sobre mim. Eu poderia visitar os sobreviventes no hospital. Eu poderia levar flores. Eu poderia amar mais. Eu poderia sofrer mais" pensou, enquanto sua vida e seu sangue escorriam pelo chão do sótão da velha casa abandonada.
Pensou em tudo o que poderia ter feito, em tudo o que não fez e em tudo o que deveria ter sido feito, mas de nada adiantava - arrependimento só traria mais dor e mais sofrimento, quando ela estava tão perto de se libertar...
Rita teve a chance de repor a pérola da ostra, de encher a casa de bonecas, de ser o titeriteiro da marionete, de encher seu corpo com uma alma.
"Eu poderia ter feito tanto, mas morro tal como vivi: inútil. Tão inútil quanto olhos sem luz, quanto corações sem fogo, quanto anjos sem asas, quanto facas cegas em pulsos resistentes"
E, por fim, ela pôde chegar à conclusão de que somos todos como facas cegas: não importa o quanto você tente, o quanto você force, o quanto você mantém de esperança, sua função não pode ser cumprida - é um fracasso.
Somos todos fracassos e fracassados, alguns mais, outros menos, mas todos fracos o bastante para se submeter à graciosidade teatral, macabra e negra, que é a morte.
Com as mãos sobre as pernas, ela pôde recordar-se de seu amante secreto e de como seu toque fazia cada pêlo de seu corpo se eriçar. Por uma fração de segundo, permitiu que a saudade atingisse seu coração uma vez mais e sentiu uma única lágrima descer, quente e rápida, por sua face e surpreendeu-se.
Ele estava morto, de fato, ele e todos os outros. Alguns, na verdade, estavam vivos, mas, ao mesmo tempo, mortos; seus corações batiam, mas o corpo era uma casca vazia, não sabiam mais amar, odiar, sorrir e tampouco chorar.
Um corpo sem alma é como uma ostra sem sua pérola, uma casa de bonecas sem bonecas, uma marionete sem seu titeriteiro.
A morte torna-se inútil perante uma alma já perecida, tal como uma lanterna perde seu uso sob a luz do dia.
A lágrima única tocou o chão e Rita entendeu que não estava morta... Ainda. Se por um lado isso significava que ela ainda podia amar, por outro, significava que ela ainda podia sofrer. Preferia voltar ao estado catatonico, balançando em sua cadeira, ouvindo os ponteiros do relógio e a chuva bater na janela, mas sabia que isso não era possível. Uma vez presenteada com a vida, estava fadada a seguir seu rumo, com todo o sofrimento necessário, até a morte definitiva.
Mas ela já sofrera mais do que qualquer um no mundo deveria sofrer, quando vira sua família, seus amigos e, sobretudo, seu amor virarem cinzas, serem engolidos pelas chamas. Um incêndio num cemitério, nada poderia ser mais cômico... Nem mesmo o fato de estarem todos num enterro, nem mesmo o fato de estarem todos em seu enterro.
Uma risada insana, mais lembranças, mais lágrimas, mais vida e mais sofrimento, tudo em poucos minutos. Uma faca, um pulso e sangue...
... Um corte, uma morte.
"Eu poderia ter me levantado da cadeira. Eu poderia ter saído na rua. Eu poderia ter sentido a chuva cair sobre mim. Eu poderia visitar os sobreviventes no hospital. Eu poderia levar flores. Eu poderia amar mais. Eu poderia sofrer mais" pensou, enquanto sua vida e seu sangue escorriam pelo chão do sótão da velha casa abandonada.
Pensou em tudo o que poderia ter feito, em tudo o que não fez e em tudo o que deveria ter sido feito, mas de nada adiantava - arrependimento só traria mais dor e mais sofrimento, quando ela estava tão perto de se libertar...
Rita teve a chance de repor a pérola da ostra, de encher a casa de bonecas, de ser o titeriteiro da marionete, de encher seu corpo com uma alma.
"Eu poderia ter feito tanto, mas morro tal como vivi: inútil. Tão inútil quanto olhos sem luz, quanto corações sem fogo, quanto anjos sem asas, quanto facas cegas em pulsos resistentes"
E, por fim, ela pôde chegar à conclusão de que somos todos como facas cegas: não importa o quanto você tente, o quanto você force, o quanto você mantém de esperança, sua função não pode ser cumprida - é um fracasso.
Somos todos fracassos e fracassados, alguns mais, outros menos, mas todos fracos o bastante para se submeter à graciosidade teatral, macabra e negra, que é a morte.