Tsunade
-Não acho que você lidou bem com a situação, Tsunade-Hime - Shimura Danzo ainda não havia tocado no chá quente. Apesar de estar sentado, o velho não deixava de segurar sua bengala.
Tsunade sentiu um gosto azedo na garganta. Talvez fosse a bebida; não, aquele gosto desagradável parecia estar relacionado à presença do maldito Danzo. Como é que Sarutobi-sensei manteve um opositor e conspirador no Conselho de Konoha? Ela nunca teria a resposta para a pergunta, e o pior de tudo era que não seria possível expulsar o homem. Os outros dois conselheiros simpatizavam com seu contemporâneo e diziam respeitar os desejos do Sandaime Hokage. Por mais que fosse neta e herdeira do fundador da vila, enfrentar os dois velhos poderia lhe custar o cargo.
-Kakashi já foi ANBU. Não existe ninguém tão habilidoso quanto ele em Konoha - aquela era a melhor resposta. Revidar as palavras de Danzo com grosseirias só pioraria a situação.
Em resposta, o velhote grunhiu. Uma risada ou um sinal de desprezo? Era difícil de interpretar um rosto sempre tão áspero e severo.
-Você é quem sabe.
A Hokage batia os pés calçados com tamancos no piso de madeira frenéticamente. Desde seu regresso à Konoha, Tsunade percebeu o quanto o sonho de Nawaki e de Dan era audacioso. E não apenas isso: governar uma cidade militarizada e poderosa não era uma tarefa para qualquer um.
-Bem, não estamos aqui para discutir o problema dos piratas - com um movimento da mão direita, Tsunade fez um sinal para Shizune. Prestativa como sempre, a moça pegou o pergaminho e o depositou na mesa em que a Hokage e os três conselheiros estavam.
Por mais que os outros não soubessem do conteúdo do escrito, o clima de tensão tomou conta de todos. Novas rugas de preocupação surgiram nos semblantes de Koharu e Homura, enquanto que o olho exposto de Danzo deixava evidente que até mesmo ele se sentia incomodado. Tsunade tinha aberto o pergaminho pela manhã e ainda continuava com aquela sensação estranha. Depois de saber a respeito daquelas notícias, a Hokage percebeu que o céu de Konohagakure no Sato ficou mais cinza e tristonho. A garoinha fria que precedeu a reunião fez com que Tsunade vestisse um casaco, mas ainda assim a gelidez permanecia.
Após dar uma olhadela sorrateira para a janela aberta que deixava o vento entrar, a Hokage abriu o pergaminho com leveza. Danzo estava no lado oposto da mesa e não tinha a visão tão boa quanto no seu auge, mas notou que não existiam palavras registradas ali.
-Um pergaminho de invocação... - disse Homura após comprimir seus olhos para enxergar melhor.
-Exatamente - respondeu Tsunade. - O selo no pergaminho só reage quando entra em contato com o meu Chakra.
-Inteligente... Ninguém poderia abrir, a não ser você - Koharu comentou e ajeitou seus óculos que pendiam do nariz. - E quem foi que enviou?
-Jiraiya - Danzo respondeu antes que Tsunade tivesse chance de articular as palavras em sua boca. Como é que ele sabia? Será que seus espiões estavam tão atentos assim?
-Sim - ela confirmou.
-São notícias do Jinchuuriki da Kyuubi? Ele conseguiu dominar o Bijuu?
-Não, Danzo - Tsunade ficou incomodada com a curiosidade do conselheiro. No entanto, saber que os servos de Danzo não eram capazes de quebrar o selo de Jiraiya deixou a Hokage mais aliviada.
-Do que se trata? - perguntou Homura.
-Vejam com seus próprios olhos.
Após concentrar Chakra na palma das mãos, Tsunade as pressionou contra o selo. Em reação, uma fumaça cinza resultante do Kuchiyose no Jutsu cobriu a mesa. Depois de um tempo, uma pequena figura vermelha de olhos arregalados se revelou no centro da superfície de madeira.
-Um sapo... - Danzo resmungou com desprezo enquanto afrouxava as ataduras para coçar o braço direito.
-O que mais esperava, velhote? - respondeu o sapo com sua vozinha aguda e esganiçada.
-Vindo de quem vem, eu não me surpreendo...
-Chega, Danzo. Não estamos aqui para discutir com o sapo - interrompeu Koharu, voltando seu olhar para a criatura invocada. - O que você tem a nos dizer?
-Alguém educado aqui, finalmente - disse o sapo enquanto esfregava as patinhas dianteiras.
-Pode começar - ordenou Tsunade.
Ao ouvir a ordem, o sapo passou a emular a voz de Jiraiya com tanta perfeição que se tinha impressão de que o Sannin estava realmente ali.
-Tsunade, espero que as coisas estejam bem em Konoha. Se realmente estão, terei o desprazer de acabar com sua alegria. Desde que parti para treinar Naruto, mais e mais pistas a respeito da organização chamada Akatsuki surgiram, mas eu nunca tive algo concreto em minhas mãos. No entanto, depois de muita pesquisa, eu finalmente descobri algo que vale a pena compartilhar com você. Tenho provas e registros incontestáveis de que Iwagakure no Sato contratou os serviços da Akatsuki. Os motivos do Tsuchikage eu desconheço, mas é possível que uma nova guerra entre as nações esteja por vir. Eu continuarei de olho no Naruto, não se preocupe quanto a isso. Espero que você faça bom uso da informação.
E o sapo terminou de dar seu recado.
-Akatsuki... - murmurou Danzo. - Jiraiya é um idiota, mas suas palavras fazem sentido. Oonoki sempre foi um velhote amargurado e problemático.
-Mas e as tais provas? Não podemos mandar espiões para Iwagakure sem termos plena certeza de que eles possuem uma ligação com a Akatsuki - Koharu divagou e Tsunade fez questão de responder.
-O sapo já me entregou um documento de transação comercial entre o tesoureiro de Iwagakure e um homem chamado Azuna, em nome da Akatsuki e com seu selo.
-E onde está o documento? - perguntou Homura.
O sapinho tossiu, fazendo com que as atenções se voltassem para ele.
-Eu queimei o papel depois que mostrei à Hokage. Ordens do Jiraiya.
-Jiraiya está maluco? Não podemos começar uma guerra sem evidências! - exclamou Kohura.
-A segurança de Konoha vem em primeiro lugar. Jiraiya sempre foi um tolo pacifista como Sarutobi, mas nunca foi um mentiroso. É básico que um shinobi proteja uma informação secreta; além disso, Tsunade é a Hokage. Se ela diz que viu as provas...
-Sim, eu confirmo - completou Tsunade.
-Então acabamos por aqui, não é mesmo? - disse Danzo ao se levantar da cadeira.
-Mas nós ainda nem discutimos sobre o que deve ser feito - disse Kohura.
Já na porta da sala, Danzo lançou um olhar à Hokage e disse:
-Tenho plena certeza de que a nossa Godaime tomará a atitude correta. Afinal, estamos falando da herdeira de Senju Hashirama.
E a porta se fechou.
Um belo véu de estrelas brilhantes estava visível no céu de Konoha, propiciando bons momentos às famílias e casais de namorados que se colocavam diante daquele cenário tão bonito. Demonstrações de amor e alegria ecoavam por toda a vila, chegando até mesmo nos locais mais silenciosos. Numa viela um pouco mais escura, a Hokage caminhava imersa em seus pensamentos. Era melhor evitar o assédio da população naquele momento, afinal, uma mera distração poderia comprometer o futuro de todos os cidadãos da vila que seu avô havia fundado com tanto esforço. Se o assédio chegasse até ela, talvez as famílias e os namorados deixassem de existir naquelas terras.
A Akatsuki era um grande problema. Nenhum grupo de ninjas de alto nível se formava por motivos fúteis. Hoshigaki Kisame, Uchiha Itachi, Orochimaru... Sim, o homem que desejava o poder mais do que tudo. Segundo Jiraiya, seu antigo companheiro de equipe havia abandonado a organização criminosa, mas ainda assim continuava causando muitos problemas. A fuga de Uchiha Sasuke, o ataque à Konohagakure no Sato, e até mesmo as mortes do Yondaime Kazekage e de Sarutobi-sensei. Por mais que ele estivesse calado, em breve Orochimaru se reergueria com um corpo Uchiha e com o Sharingan. Será que o selamento do Shiki Fuujin seria suficiente para inutilizar uma boa parcela de suas reais capacidades? Ainda assim, talvez a mente dele fosse o verdadeiro problema.
Apesar da sempre presente sombra de Orochimaru, as preocupações da Godaime se voltavam para Danzo. Depois de saber do conteúdo do pergaminho, ele havia perdido totalmente o interesse pelas ações que seriam tomadas em relação à Akatsuki. Aquilo era muito estranho para quem criticava até mesmo uma simples movimentação de ninjas em direção a um problema novo e aparentemente simples do Pais do Fogo.
Vovô, como é que você agiria?
Em seus tempos como Hokage, Hashirama também havia enfrentado o problema das oposições perigosas. Evidentemente Danzo não era nenhum Madara em termos de poder, mas seus movimentos sorrateiros e venenosos representavam maior perigo do que uma ameaça externa. Quebrar as defesas e as esperanças de um inimigo estando ao lado dele era muito mais efetivo do que um ataque poderoso vindo de fora de Konoha. Uma guerra civil era a pior coisa que poderia acontecer ao ponto mais militarizado do país.
Nawaki... Dan...
Depois de meia hora de caminhada, Tsunade parou. Diante os seus olhos, um casarão de madeira fina e bonita se exibia com uma beleza solene e antiga; tinha três andares e incontáveis janelas escuras. As telhas eram vermelhas como sangue, formando duas cascatas rubras e congeladas que surgiam no ponto mais alto e despencavam em direções diferentes, dando origem a um triângulo isósceles de base imaginária. Após atravessar os restos de um jardim decadente que cercava a casa, Tsunade olhou para a porta da frente com os olhos vazios. Com a mão direita, tocou uma plaquinha verde com letras desbotadas que havia sido pregada na madeira. Seus dedos calejados passaram pelos símbolos que formava a palavra. "Senju".
Sua mão girou a maçaneta e Tsunade passou pela entrada. A escuridão ali dentro era quase absoluta, mas ela conseguiu achar o pequeno dispositivo amarelo na parede sem muito esforço. Depois de alguns meses ali, acender a luz acabou se tornando uma das poucas atividades que não causavam tanto transtorno. Todavia, quando a claridade se espalhava e tocava os objetos da sala, uma angústia tomava conta da Hokage. Pensar em seu avô e falar com ele em sua mente era rotineiro e fácil, mas ter que encarar seu rosto, seus olhos e seu sorriso era quase impossível. Toda vez que passava perto do retrato de Hashirama e Mito era a mesma coisa: ela olhava para o chão e andava rapidamente para longe daquela visão tão feliz. Ou será que não era tão feliz assim? Para Tsunade, era muito triste. Seus pais não tinham deixado tantas lembranças pela casa, o que já era uma angústia a menos. A solidão era o pior dos males, e os fantasmas nítidos intensificavam o sentimento. Todos ausentes, todos mortos.
Apesar de não ter feito nenhum esforço físico durante o dia, a Hokage estava exausta e com a cabeça pesada. Com os pés descalços e com pequenas feridas causadas pelo tamanco apertado, ela subiu as escadas que levavam ao segundo andar. Enquanto subia, Tsunade acariciava o corrimão de madeira com sua mão. De alguma forma, parecia que o material que havia dado origem ao casarão estava vivo, emanando um calor estranho, porém reconfortante. Era muito provável que a madeira ali presente fosse originária do Mokuton, o que justificava aquela energia estranha que surgia quando a madeira entrava em contato com a pele da Senju.
Chegando ao andar superior, Tsunade foi em direção ao banheiro. Após abrir a porta, um aroma delicado atravessou suas narinas. Hipnotizada pelo cheiro, ela entrou, acendeu a luz e fechou a porta. Já fazia muito tempo que uma limpeza não era feita na casa, mas aquela pequena porção de alguns metros quadrados estava impecável e reluzente. Ao passar o dedo indicador na borda da banheira, Tsunade não conseguiu pegar um grão de poeira sequer. Admirada como tudo ali estava perfeito, ela girou a torneira prateada e observou a água fumegante preencher o espaço que estivera vazio anteriormente.
Passados alguns segundos, o banheiro já estava repleto de vapor, aumentando ainda mais a sensação de calor que a madeira do corrimão havia deixado em seu corpo. Notando que a banheira já estava quase cheia, Tsunade interrompeu o fluxo de água e experimentou banho com as mãos para testar a temperatura. Quente, muito quente, mas na medida certa. Em seguida, tirou suas vestes e as jogou no chão levemente escorregadio para que pudesse entrar na banheira. Então, ao sentir sua pele entrando em contato com a água quente, Tsunade relaxou sua cabeça e fechou seus olhos. As pálpebras estavam muito pesadas, o que poderia vir a ser o início de um sono indesejável, mas seus pés se movimentavam vagarosamente, impedindo que ela adormecesse ali.
No escuro de seus olhos, a Hokage vislumbrou vários pontos amarelos, vermelhos e verdes que corriam de um lado para o outro. Quando os pontos convergiram, uma face começou a tomar forma. Era um rosto amarelo com cabelos verdes espalhados e apenas um olho vermelho no lado direito da face. Apesar de ser uma figura muito mais estranha e deformada que a original, Tsunade não teve dúvidas de que era Danzo. A maior semelhança entre o real e o imaginário era o olho acusador e raivoso; a única diferença é que estava no lado errado do rosto.
O que você deseja, Danzo? Você abandonou a reunião logo após ter ouvido que a Akatsuki e o Tsuchikage se aliaram...
De repente, um clarão atravessou a mente de Tsunade. A verdade esteve diante dela por tanto tempo... Como é que não havia percebido que Danzo poderia estar atrás de pistas que indicassem a localização da Akatsuki? A mensagem de Jiraiya havia sido muito oportuna, considerando que Danzo pretendia achar os criminosos e fazer contato com eles. Quais seriam seus objetivos?
Eu poderia espionar o velho e seus servos... Não, uma espionagem dentro de Konoha levaria muito tempo para gerar algum resultado. Além disso, Danzo perceberia.
Com um movimento brusco, Tsunade saiu da banheira rapidamente, deixando o chão ainda mais escorregadio. Após atravessar algumas nuvens de vapor, ela finalmente conseguiu achar o espelho que vinha do chão até o teto. Para tornar sua visão nítida, Tsunade concentrou Chakra nas mãos e as encostou no objeto. Assim, uma onda de energia foi liberada e o embaçamento desapareceu.
O espelho mostrava uma mulher. Contudo, não era uma qualquer: aquela era provavelmente a mais bela de Konoha. Que homem poderia resistir? Que mulher havia chegado aos cinquenta anos com tamanha beleza? Até mesmo Tsunade se impressionou com o quanto era esbelta. Não existiam rugas ou marcas próprias da idade em seu rosto, além de que seu corpo molhado e cheio de curvas e fartura fazia inveja a qualquer mulher, jovem ou velha, feia ou bonita.
No entanto, aquela não era a realidade.
-Danzo, você está certo, eu não estou lidando bem com nenhum dos problemas de Konoha. A verdade é que eu sou uma covarde que tem medo de enfrentar seus próprios sentimentos. Eu sempre tive medo da verdade...
Tirando as mãos de espelho, Tsunade juntou as duas e formou o selo do tigre.
-...mas o mal não pode ser derrotado por mentiras vaidosas e vazias.
Quando cancelou o Henge no Jutsu, Tsunade viu rugas, marcas e imperfeições surgindo em todo o seu corpo. Aquela era a primeira vez em muito tempo em que ela se via como realmente era. Estava velha, feia e as juntas estavam doloridas. Era triste, mas também era necessário encarar a verdade.
Ao olhar Senju Hashirama nos olhos depois de muito, a Godaime Hokage teve certeza do que devia ser feito.