Texto que escrevi e reescrevi algumas semanas atrás. Não espero que ninguém leia. Vou postar mais por vontade de apresentar em algum lugar mesmo. Leitura rápida e simples, eu diria; diferente do habitual.
Recomendo essa música como acompanhamento:
[size=40]Olá, Sofia
Não sei bem quais são os possíveis motivos que me levaram a escrever. Talvez porque eu tenha lhe prometido uma carta que nunca cheguei a ter coragem de enviar, fosse por incompetência minha, fosse por qualquer insegurança. Ou, quem sabe, porque simplesmente fui atingido por esse ímpeto de redigir algo. Pergunto-me também se não ando pensando muito em você; devo dizer que é uma teoria bem válida. Mas de que isso importa? Essa carta nunca chegará em suas mãos. Não por eu não querer, mas porque é impossível. Você se lembra como eu sempre amaldiçoei a distância, não é? Eu juro que queria que as coisas fossem diferentes nesse aspecto. E você sabe melhor do que ninguém que eu nunca fui homem de fazer muitas juras, mas as poucas as quais eu me dava o luxo de realizar, essas surgiam do mais profundo abismo de meu coração. Bem, sinto que devo deixar meus devaneios de lado. Sei que minha personalidade um tanto lunática sempre lhe permitiu esboçar um sorriso tímido e singelo, capaz de iluminar esse meu rosto maculado. Você se divertia às minhas custas e, por muito tempo, foi essa uma das principais razões que vieram a me sustentar em meio aos meus longos e complexos períodos de instabilidade, tanto os físicos quanto emocionais.
Você se tornou uma pessoa especial. Talvez a única. Em meio a esse universo de mentiras e difamações; de medo e tristeza; de dor e loucura; de ganância e falsidade; você se manteve íntegra. Protegeu-me com todo o seu afeto das coisas obscuras que sempre me rodearam. Resplandecia com graça e me arrebatava dos incontáveis males que tentavam possuir minha consciência. Guiou meus dedos sobre o papel corrompido e soprava inspirações em meus ouvidos a cada dia. Tudo em você me encantava. Sua beleza, sua voz, sua simplicidade, mas, acima de tudo, a sua honestidade e senso de proteção. E você sempre contestava quando eu dizia que a admirava por suas infinitas qualidades, me tachando de exagerado. Pois fique ciente de que nunca vim a me exaltar e dizer mais do que o necessário. Conhece-me bem. Sabe que não minto. E é por motivos como esse que tenho dificuldades de manejar a caneta nesse instante. Tenho que escrever notícias ruins para alguém que deveria ser proibida de viver na vasta sujeira do mundo. Falta-me vontade de lhe revelar essas coisas, mas sei o quanto ficaria desapontada se não o fizesse. Pois bem, permita-me seguir adiante.
Sofia, lamento informar-lhe que as coisas andam muito difíceis. Tentei fazer de meus hábitos saudáveis algo constante em minha vida e, ao mesmo tempo, acabar com todo o espaço consumido pelos ruins. Essa tarefa revelou ser mais árdua do que eu poderia algum dia cogitar. E é com imenso pesar e tristeza que venho assumir ter falhado. Espero que possa me perdoar. A verdade é que não fumo ou sequer bebo mais. Ao menos com isso eu consegui lidar. Sei o quanto detesta esse tipo de coisa, mas havemos de convir que esses sempre foram os meus menores problemas. Falarei das verdadeiras lutas agora. Então, acho melhor prosseguir. Sendo sincero, vez ou outra ainda me deparo sentado naquela velha poltrona que você já conhece enquanto observo a noite desagradável que surge lá fora. As estrelas já não brilham com tanto esplendor sem você por aqui. As constelações, que antes me revelavam incríveis aventuras, hoje já não significam nada sem você ao meu lado para narrar essas estórias. A lua permanece da mesma forma, mas as coisas nunca estiveram tão sem vida. O cômodo sempre está escuro e eu continuo não me incomodando com isso, pois tenho conhecimento do fato de que meu interior encontra-se em uma amálgama ainda mais decadente. Voltei ao velho e incansável hábito de continuar desprezando todas as coisas boas que você diz ter encontrado em mim, ao mesmo tempo em que enalteço meus milhares de defeitos. Os mesmos defeitos que você insistia não enxergar. E como você sempre disse que aconteceria, esta prática vem acabando comigo. Estou sendo consumido pelo desalento e sinto estar muito longe de encontrar alguma outra cura. Afinal, o único antídoto que eu alguma vez possuí para esse veneno que corrói minha sanidade era você. Suspiro e sinto o vento álgido encostar minha pele todas as vezes em que penso nisso. Até mesmo nos dias mais quentes. Sinto meus pulsos tornarem-se mais pesados e minha respiração ceder, mesmo que eu lute para me manter forte e imbatível. Porém, quanto mais eu tento, mais eu vejo esse papel ser manchado com as lágrimas secas que venho acumulando desde que me entendo por gente.
Sinto-me um pouco incomodado, mas temo ter que acrescentar algo nessa breve confissão: ando escrevendo cada vez menos. Queimei os últimos trabalhos que estavam prontos para serem enviados à editora. Queria poder dizer que sinto-me arrependido de cometer essa atitude. A verdade é que não ligo. A verdade é que senti um gosto amargo e, ainda assim, agradável ao fazer isso. Não venho me importando com muitas coisas e isso não é tão diferente. É só um pedaço da minha vida. Uma parte de quem eu sou. Minha quintessência. Não necessito disso, certo? Já sacrifiquei tantas coisas que julgava serem parte de mim por razões esdrúxulas; nada é diferente agora. A única coisa da qual nunca iria me desfazer seria os seus sentimentos de carinho por mim. Ironicamente, foi a única coisa que, de fato, eu perdi.
Como se não fosse o bastante, venho sentindo um cansaço enorme nas últimas semanas. Carrego um peso nos ombros que não sei dizer do que se trata. Mas é um estorvo, da mesma forma que sempre acreditei ser para você e todos os outros ao meu redor. Nunca concluímos se de fato existe ou não algo como o “carma” (recordo-me ainda das risadas e breves discussões causadas por abordarmos tais assuntos), mas se realmente há algo assim, está cobrando o preço a ser pago por todos os pecados que cometi em minha vida. São tapas em meu rosto e socos em meu estômago. Quando volto ao normal, já estou com o corpo em chamas encurvado em algum canto da casa. Cometi muitos erros, minha querida Sofia. Andei por caminhos enganosos e distorcidos; assim eu venho lidando com as consequências causadas pela minha imprudência e por toda a tolice. Preciso lembrar de, em uma próxima vida, agir com mais cautela. De preferência que eu reflita mais sobre as minhas atitudes e não venha a agir por impulso.
Doce Sofia. Os dias andam tão difíceis e melancólicos quanto minhas noites. Minha insônia regressou e isso apenas colabora para que todo o meu estresse amplie. A luz do sol anda machucando meus olhos e me sinto mal só em imaginar ter que sair de casa. Minha energia é consumida por completo ao menor movimento; minha alma está sendo torturada por aquela conhecida exaustão existencial. E, quando me arrisco a deixar as quatro paredes de agonia, percebo que estou tornando-me mais invisível com o decorrer dos dias. Nunca me incomodei com isso, contudo, conforme a velhice se aproxima, sou perfurado por um golpe fatal da solidão e dou meus primeiros passos para a total decadência. Tenho medo, mesmo sabendo que isso é algo um tanto constrangedor de se assumir. Mas desde quando houve qualquer segredo entre nós? A verdade é que eu preciso de ajuda. Aquela ajuda que só você saberia proporcionar. Aquele conforto. Aquela alegria.
Ainda sinto o aroma do seu perfume. Ainda posso visualizar seu sorriso. Ainda ouço o som de sua risada tímida. Eu sei que, apesar de toda a distância, você permanece próxima de algum modo e que pode ler essa carta. Até porque sempre teve essa capacidade divina de saber o que eu penso; o que eu sinto. Queria poder ter essa mesma empatia, mas acho que o Criador não me aprecia tanto quanto eu gostaria que o fizesse. Decidiu que meu papel nesse mundo deveria ser o de escravo. Não dos homens, mas do medo. E agora que consinto calado com a minha utilidade nessa imensidão que é o vazio, eu fico aqui, aguardando. Esperarei em silêncio alguns longos minutos até que eu possa enviar esse pedaço de papel para as chamas. Talvez arrisque-me a tomar um gole de vinho nessa taça. A mesma na qual você pousou seus lábios delicados tempos antes. Não se sinta magoada, por eu estar bebendo, mas achei que seria conveniente para esse momento. Com exceção do agora, não estou me sentindo dependente do álcool. Mas o que estou fazendo? Fugindo do assunto. Permita-me voltar para o fogo e a folha que ele logo queimará. Você não precisa de cartas. A escrevi apenas por desencargo de consciência.
Além disso tudo, tenho, enfim, uma notícia boa para lhe dar: estou no meu caminho para casa, pronto para encontrá-la. Tudo o que preciso é de alguns minutos de paz, pensar em algumas coisas e um pouco de coragem. A arma já se encontra carregada. Nada mais irá ser um incômodo e eu poderei lhe ver mais uma vez, depois de tanto tempo. Peço apenas que me deseje um pouco de sorte. Acha que pode fazer isso?
Beijos de quem nunca te amou,
J.L.E.
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Recomendo essa música como acompanhamento:
[size=40]Olá, Sofia
Não sei bem quais são os possíveis motivos que me levaram a escrever. Talvez porque eu tenha lhe prometido uma carta que nunca cheguei a ter coragem de enviar, fosse por incompetência minha, fosse por qualquer insegurança. Ou, quem sabe, porque simplesmente fui atingido por esse ímpeto de redigir algo. Pergunto-me também se não ando pensando muito em você; devo dizer que é uma teoria bem válida. Mas de que isso importa? Essa carta nunca chegará em suas mãos. Não por eu não querer, mas porque é impossível. Você se lembra como eu sempre amaldiçoei a distância, não é? Eu juro que queria que as coisas fossem diferentes nesse aspecto. E você sabe melhor do que ninguém que eu nunca fui homem de fazer muitas juras, mas as poucas as quais eu me dava o luxo de realizar, essas surgiam do mais profundo abismo de meu coração. Bem, sinto que devo deixar meus devaneios de lado. Sei que minha personalidade um tanto lunática sempre lhe permitiu esboçar um sorriso tímido e singelo, capaz de iluminar esse meu rosto maculado. Você se divertia às minhas custas e, por muito tempo, foi essa uma das principais razões que vieram a me sustentar em meio aos meus longos e complexos períodos de instabilidade, tanto os físicos quanto emocionais.
Você se tornou uma pessoa especial. Talvez a única. Em meio a esse universo de mentiras e difamações; de medo e tristeza; de dor e loucura; de ganância e falsidade; você se manteve íntegra. Protegeu-me com todo o seu afeto das coisas obscuras que sempre me rodearam. Resplandecia com graça e me arrebatava dos incontáveis males que tentavam possuir minha consciência. Guiou meus dedos sobre o papel corrompido e soprava inspirações em meus ouvidos a cada dia. Tudo em você me encantava. Sua beleza, sua voz, sua simplicidade, mas, acima de tudo, a sua honestidade e senso de proteção. E você sempre contestava quando eu dizia que a admirava por suas infinitas qualidades, me tachando de exagerado. Pois fique ciente de que nunca vim a me exaltar e dizer mais do que o necessário. Conhece-me bem. Sabe que não minto. E é por motivos como esse que tenho dificuldades de manejar a caneta nesse instante. Tenho que escrever notícias ruins para alguém que deveria ser proibida de viver na vasta sujeira do mundo. Falta-me vontade de lhe revelar essas coisas, mas sei o quanto ficaria desapontada se não o fizesse. Pois bem, permita-me seguir adiante.
Sofia, lamento informar-lhe que as coisas andam muito difíceis. Tentei fazer de meus hábitos saudáveis algo constante em minha vida e, ao mesmo tempo, acabar com todo o espaço consumido pelos ruins. Essa tarefa revelou ser mais árdua do que eu poderia algum dia cogitar. E é com imenso pesar e tristeza que venho assumir ter falhado. Espero que possa me perdoar. A verdade é que não fumo ou sequer bebo mais. Ao menos com isso eu consegui lidar. Sei o quanto detesta esse tipo de coisa, mas havemos de convir que esses sempre foram os meus menores problemas. Falarei das verdadeiras lutas agora. Então, acho melhor prosseguir. Sendo sincero, vez ou outra ainda me deparo sentado naquela velha poltrona que você já conhece enquanto observo a noite desagradável que surge lá fora. As estrelas já não brilham com tanto esplendor sem você por aqui. As constelações, que antes me revelavam incríveis aventuras, hoje já não significam nada sem você ao meu lado para narrar essas estórias. A lua permanece da mesma forma, mas as coisas nunca estiveram tão sem vida. O cômodo sempre está escuro e eu continuo não me incomodando com isso, pois tenho conhecimento do fato de que meu interior encontra-se em uma amálgama ainda mais decadente. Voltei ao velho e incansável hábito de continuar desprezando todas as coisas boas que você diz ter encontrado em mim, ao mesmo tempo em que enalteço meus milhares de defeitos. Os mesmos defeitos que você insistia não enxergar. E como você sempre disse que aconteceria, esta prática vem acabando comigo. Estou sendo consumido pelo desalento e sinto estar muito longe de encontrar alguma outra cura. Afinal, o único antídoto que eu alguma vez possuí para esse veneno que corrói minha sanidade era você. Suspiro e sinto o vento álgido encostar minha pele todas as vezes em que penso nisso. Até mesmo nos dias mais quentes. Sinto meus pulsos tornarem-se mais pesados e minha respiração ceder, mesmo que eu lute para me manter forte e imbatível. Porém, quanto mais eu tento, mais eu vejo esse papel ser manchado com as lágrimas secas que venho acumulando desde que me entendo por gente.
Sinto-me um pouco incomodado, mas temo ter que acrescentar algo nessa breve confissão: ando escrevendo cada vez menos. Queimei os últimos trabalhos que estavam prontos para serem enviados à editora. Queria poder dizer que sinto-me arrependido de cometer essa atitude. A verdade é que não ligo. A verdade é que senti um gosto amargo e, ainda assim, agradável ao fazer isso. Não venho me importando com muitas coisas e isso não é tão diferente. É só um pedaço da minha vida. Uma parte de quem eu sou. Minha quintessência. Não necessito disso, certo? Já sacrifiquei tantas coisas que julgava serem parte de mim por razões esdrúxulas; nada é diferente agora. A única coisa da qual nunca iria me desfazer seria os seus sentimentos de carinho por mim. Ironicamente, foi a única coisa que, de fato, eu perdi.
Como se não fosse o bastante, venho sentindo um cansaço enorme nas últimas semanas. Carrego um peso nos ombros que não sei dizer do que se trata. Mas é um estorvo, da mesma forma que sempre acreditei ser para você e todos os outros ao meu redor. Nunca concluímos se de fato existe ou não algo como o “carma” (recordo-me ainda das risadas e breves discussões causadas por abordarmos tais assuntos), mas se realmente há algo assim, está cobrando o preço a ser pago por todos os pecados que cometi em minha vida. São tapas em meu rosto e socos em meu estômago. Quando volto ao normal, já estou com o corpo em chamas encurvado em algum canto da casa. Cometi muitos erros, minha querida Sofia. Andei por caminhos enganosos e distorcidos; assim eu venho lidando com as consequências causadas pela minha imprudência e por toda a tolice. Preciso lembrar de, em uma próxima vida, agir com mais cautela. De preferência que eu reflita mais sobre as minhas atitudes e não venha a agir por impulso.
Doce Sofia. Os dias andam tão difíceis e melancólicos quanto minhas noites. Minha insônia regressou e isso apenas colabora para que todo o meu estresse amplie. A luz do sol anda machucando meus olhos e me sinto mal só em imaginar ter que sair de casa. Minha energia é consumida por completo ao menor movimento; minha alma está sendo torturada por aquela conhecida exaustão existencial. E, quando me arrisco a deixar as quatro paredes de agonia, percebo que estou tornando-me mais invisível com o decorrer dos dias. Nunca me incomodei com isso, contudo, conforme a velhice se aproxima, sou perfurado por um golpe fatal da solidão e dou meus primeiros passos para a total decadência. Tenho medo, mesmo sabendo que isso é algo um tanto constrangedor de se assumir. Mas desde quando houve qualquer segredo entre nós? A verdade é que eu preciso de ajuda. Aquela ajuda que só você saberia proporcionar. Aquele conforto. Aquela alegria.
Ainda sinto o aroma do seu perfume. Ainda posso visualizar seu sorriso. Ainda ouço o som de sua risada tímida. Eu sei que, apesar de toda a distância, você permanece próxima de algum modo e que pode ler essa carta. Até porque sempre teve essa capacidade divina de saber o que eu penso; o que eu sinto. Queria poder ter essa mesma empatia, mas acho que o Criador não me aprecia tanto quanto eu gostaria que o fizesse. Decidiu que meu papel nesse mundo deveria ser o de escravo. Não dos homens, mas do medo. E agora que consinto calado com a minha utilidade nessa imensidão que é o vazio, eu fico aqui, aguardando. Esperarei em silêncio alguns longos minutos até que eu possa enviar esse pedaço de papel para as chamas. Talvez arrisque-me a tomar um gole de vinho nessa taça. A mesma na qual você pousou seus lábios delicados tempos antes. Não se sinta magoada, por eu estar bebendo, mas achei que seria conveniente para esse momento. Com exceção do agora, não estou me sentindo dependente do álcool. Mas o que estou fazendo? Fugindo do assunto. Permita-me voltar para o fogo e a folha que ele logo queimará. Você não precisa de cartas. A escrevi apenas por desencargo de consciência.
Além disso tudo, tenho, enfim, uma notícia boa para lhe dar: estou no meu caminho para casa, pronto para encontrá-la. Tudo o que preciso é de alguns minutos de paz, pensar em algumas coisas e um pouco de coragem. A arma já se encontra carregada. Nada mais irá ser um incômodo e eu poderei lhe ver mais uma vez, depois de tanto tempo. Peço apenas que me deseje um pouco de sorte. Acha que pode fazer isso?
Beijos de quem nunca te amou,
J.L.E.
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