bom de papo
por Fernando Masini
Foram 30 anos de convívio. A cientista norte-americana Irene Pepperberg manteve com um papagaio africano uma relação intensa. Trocavam juras de amor, dividiam oito horas por dia em atividades como contar o número de objetos dispostos numa bandeja e desvendar charadas elaboradas pela dona. De tanto treino, Alex se tornou a ave mais inteligente dos EUA e virou celebridade da noite para o dia.
Começou a aparecer em programas de televisão chamando a atenção da plateia por sua sagacidade. Decorou quase cem palavras e aprendeu até a somar. A morte dele, há dois anos, afetou Irene como a perda de um filho. Para homenageá-lo, a professora de cognição animal da Universidade Harvard escreveu "Alex e Eu" (ed. Record, 240 págs., R$ 38). O livro recém-lançado conta a trajetória de um bicho que revolucionou a ciência.
Como encontrou Alex?
Foi numa loja de animais. Ele estava no meio de nove aves presas numa gaiola. A pessoa que cuidava delas fez a escolha por mim. Eu não falei nada. Digo isso porque ninguém pode dizer que o bicho com quem eu trabalharia durante tantos anos já tinha algo de especial. Eu não tinha experiência com papagaios antes do Alex.
O que fez dele especial?
É importante esclarecer que Alex foi meu único pássaro ao longo de 15 anos. Ele vivia cercado pela atenção humana de oito a dez horas por dia. Nossa rotina não era apenas de treinos. Eu interagia com ele como se fosse meu filho pequeno. Conversava e registrava tudo num caderninho. Aos poucos, fui mostrando objetos para ver se ele conseguia identificá-los. Alex aprendeu a reconhecer as cores e os formatos de quase cem objetos. Ele conseguia separar as peças vermelhas das verdes ou diferenciar bolas de pequenos cubos. Aprendeu a dizer de que material o objeto é feito: madeira, plástico etc.
Sabia diferenciar tamanhos?
Quando eu colocava dois objetos na frente dele e perguntava qual era o maior, ele respondia dizendo a cor ou o formato do item maior. Caso os dois fossem do mesmo tamanho, ele dizia "nenhum", dando a entender que ambos eram iguais. São habilidades consideradas exclusivas dos seres humanos e dos primatas.
Alex era bom em matemática?
Nós fizemos testes de compreensão de números. Eu lhe dava um conjunto de objetos (quatro cubos azuis, cinco verdes e seis vermelhos) espalhados numa bandeja. O objetivo era Alex responder a perguntas do tipo: que cor tem os seis objetos? Ele identificava o conjunto de seis e dizia qual era a cor. Às vezes, quando estava irritado, não respondia ou jogava as peças no chão. Em outros casos, dizia todas as cores que não estavam representadas na bandeja, só para exibir sua sabedoria.
Fazia algo fora do esperado?
Um dia, eu mostrei a ele uma bandeja com três, quatro e seis cubos coloridos e perguntei a cor do conjunto com três peças. Ele disse "cinco", justamente o único conjunto que não existia na amostragem. Repeti a pergunta de maneira diferente: qual é a cor do conjunto cinco? Ele respondeu: nenhuma. Usou um conceito de zero por conta própria, já que a situação foi atípica. Percebeu como podia me manipular e responder apenas às perguntas de seu agrado.
É verdade que ele costumava lhe dizer "eu te amo"?
Isso era apenas parte da nossa rotina de despedida diária. Toda noite, eu colocava Alex na gaiola às 19h. Ele costumava dizer: "Agora vou jantar". E eu também ia para a mesa fazer minha refeição. Na hora de dormir, ele dizia: "Te vejo amanhã".
Como Alex contribuiu para a evolução da ciência?
Ele mostrou que uma ave com cérebro do tamanho de uma noz tem capacidade de fazer as mesmas coisas que um primata, cujo cérebro é muito maior. Ele nos mostrou como o cérebro pode funcionar quando é estimulado, independentemente de seu tamanho. As aves e os mamíferos se separaram há milhões de anos na linha evolutiva. Mesmo assim, é como se observássemos uma evolução paralela. Para simplificar, Alex redefiniu o que é o cérebro de uma ave.
por Fernando Masini
Foram 30 anos de convívio. A cientista norte-americana Irene Pepperberg manteve com um papagaio africano uma relação intensa. Trocavam juras de amor, dividiam oito horas por dia em atividades como contar o número de objetos dispostos numa bandeja e desvendar charadas elaboradas pela dona. De tanto treino, Alex se tornou a ave mais inteligente dos EUA e virou celebridade da noite para o dia.
Começou a aparecer em programas de televisão chamando a atenção da plateia por sua sagacidade. Decorou quase cem palavras e aprendeu até a somar. A morte dele, há dois anos, afetou Irene como a perda de um filho. Para homenageá-lo, a professora de cognição animal da Universidade Harvard escreveu "Alex e Eu" (ed. Record, 240 págs., R$ 38). O livro recém-lançado conta a trajetória de um bicho que revolucionou a ciência.
Como encontrou Alex?
Foi numa loja de animais. Ele estava no meio de nove aves presas numa gaiola. A pessoa que cuidava delas fez a escolha por mim. Eu não falei nada. Digo isso porque ninguém pode dizer que o bicho com quem eu trabalharia durante tantos anos já tinha algo de especial. Eu não tinha experiência com papagaios antes do Alex.
O que fez dele especial?
É importante esclarecer que Alex foi meu único pássaro ao longo de 15 anos. Ele vivia cercado pela atenção humana de oito a dez horas por dia. Nossa rotina não era apenas de treinos. Eu interagia com ele como se fosse meu filho pequeno. Conversava e registrava tudo num caderninho. Aos poucos, fui mostrando objetos para ver se ele conseguia identificá-los. Alex aprendeu a reconhecer as cores e os formatos de quase cem objetos. Ele conseguia separar as peças vermelhas das verdes ou diferenciar bolas de pequenos cubos. Aprendeu a dizer de que material o objeto é feito: madeira, plástico etc.
Sabia diferenciar tamanhos?
Quando eu colocava dois objetos na frente dele e perguntava qual era o maior, ele respondia dizendo a cor ou o formato do item maior. Caso os dois fossem do mesmo tamanho, ele dizia "nenhum", dando a entender que ambos eram iguais. São habilidades consideradas exclusivas dos seres humanos e dos primatas.
Alex era bom em matemática?
Nós fizemos testes de compreensão de números. Eu lhe dava um conjunto de objetos (quatro cubos azuis, cinco verdes e seis vermelhos) espalhados numa bandeja. O objetivo era Alex responder a perguntas do tipo: que cor tem os seis objetos? Ele identificava o conjunto de seis e dizia qual era a cor. Às vezes, quando estava irritado, não respondia ou jogava as peças no chão. Em outros casos, dizia todas as cores que não estavam representadas na bandeja, só para exibir sua sabedoria.
Fazia algo fora do esperado?
Um dia, eu mostrei a ele uma bandeja com três, quatro e seis cubos coloridos e perguntei a cor do conjunto com três peças. Ele disse "cinco", justamente o único conjunto que não existia na amostragem. Repeti a pergunta de maneira diferente: qual é a cor do conjunto cinco? Ele respondeu: nenhuma. Usou um conceito de zero por conta própria, já que a situação foi atípica. Percebeu como podia me manipular e responder apenas às perguntas de seu agrado.
É verdade que ele costumava lhe dizer "eu te amo"?
Isso era apenas parte da nossa rotina de despedida diária. Toda noite, eu colocava Alex na gaiola às 19h. Ele costumava dizer: "Agora vou jantar". E eu também ia para a mesa fazer minha refeição. Na hora de dormir, ele dizia: "Te vejo amanhã".
Como Alex contribuiu para a evolução da ciência?
Ele mostrou que uma ave com cérebro do tamanho de uma noz tem capacidade de fazer as mesmas coisas que um primata, cujo cérebro é muito maior. Ele nos mostrou como o cérebro pode funcionar quando é estimulado, independentemente de seu tamanho. As aves e os mamíferos se separaram há milhões de anos na linha evolutiva. Mesmo assim, é como se observássemos uma evolução paralela. Para simplificar, Alex redefiniu o que é o cérebro de uma ave.