É sabido por muitos que Olavo de Carvalho é uma figura bastante conhecida no Brasil, sobretudo nas redes sociais (facebook, twitter, blog, etc) e no youtube. Alguns idolatram a pessoa de Olavo de Carvalho, chamando-o de gênio, sábio e filósofo. Esta idolatria é fruto de desconhecimento e desinformação, de ignorância e ingenuidade. Citarei alguns absurdos que esse senhor andou falando e defendendo abertamente na mídia, na imprensa e na internet. Começarei com alguns exemplos. O primeiro se refere à mecânica newtoniana. Neste texto publicado no Jornal do Brasil em 2006, Olavo de Carvalho contesta a Primeira Lei de Newton, afirmando que:
"se o movimento é eterno, não faz sentido falar em 'estado presente' a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. No movimento eterno, tudo é fluxo e impermanência. Não há 'estados' - seja de repouso ou de movimento. 'Estado' é apenas uma impressão subjetiva que o observador, ele próprio envolvido no movimento geral, obtém ao medir os movimentos físicos pelo seu tempo interior. A tentativa de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana acabava fazendo tudo depender da própria percepção humana. A física materialista fundava-se numa metafísica idealista."
Inicialmente, antes de começar a tratar sobre este absurdo, é preciso esclarecer que esta discussão é importante por conta da grande influência que Olavo de Carvalho exerce sobre muitos jovens brasileiros (infelizmente).
Pois bem. O que Olavo faz acima é uma pobre e equivocada interpretação sobre o grande tratado de Isaac Newton, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural (Principia), que revolucionou a concepção de mundo e de natureza e estimulou grandemente a consolidação e o progresso da Física como ciência, e ainda influenciou todas as gerações de cientistas (físicos, matemáticos, químicos, etc) que o sucederam. E o grande problema dessa interpretação é que ela vulgarmente reflete meras percepções pessoais daquele que a escreve, revelando apenas suas próprias limitações intelectuais. Existem, sim, muitas críticas extremamente pertinentes à obra de Newton. E Olavo de Carvalho demonstra clara ignorância ao citar Goethe como um dos três principais críticos da mecânica newtoniana, sendo que Goethe era apenas um poeta, enquanto sequer menciona ou cita as críticas de físicos, a exemplo de Laplace e Einstein.
Em sua pobre e distorcida interpretação, Olavo de Carvalho afirma categoricamente que não há “estados”. Ou seja, ele impõe uma percepção própria, desqualificada e única sobre o que entende por “estado” em Mecânica. A obra Principia, de Isaac Newton, é um marco que deu origem a várias formulações para o que hoje se entende por Mecânica Newtoniana (Mecânica Clássica). Em cada uma delas há uma visão própria sobre o que se entende por “estado” de um sistema físico. Essa multiplicidade de visões sobre as ideias originais de Newton decorre justamente por conta do pioneirismo deste grande físico britânico. Obras pioneiras são frequentemente escritas de forma a admitir múltiplas interpretações, mesmo na área de ciências exatas. Além disso, até hoje não está suficientemente claro se o texto original de Newton faz uso ou não do cálculo diferencial e integral criado por ele mesmo. Portanto, qualquer avaliação responsável sobre o livro Principia demanda uma análise muito mais profunda do que aquela promovida em um texto de uma página, desprovido de referências e que se limita a uma visão única e vaga. Olavo de Carvalho afirma, por exemplo, que no movimento eterno tudo é fluxo e impermanência. Além de não qualificar seu texto (usando a expressão "tudo" que, sob interpretação minha, pode contemplar até mesmo unicórnios e lobisomens), ainda impõe uma alegada impermanência que jamais é justificada. Afinal, existe pelo menos um fator em comum entre todas as formulações hoje existentes para a Mecânica Newtoniana, a saber, os Princípios de Invariância. Tais princípios de invariância, matematicamente descritos via Teoria de Grupos, espelham justamente as leis físicas, as quais são invariantes (ou seja, permanecem as mesmas) sob transformações de coordenadas de um referencial (observador) para outro, dadas certas condições especificadas em cada formulação.
Olavo de Carvalho ainda acusa Isaac Newton de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana. Bem, do ponto de vista da prática usual do físico, foi exatamente o oposto que ocorreu. Isso porque, como bom físico que era, Newton estava fortemente comprometido com a testabilidade de suas ideias. E tais testes parecem refletir modos de percepção humana. Já do ponto de vista filosófico, Newton mesmo percebia que suas ideias apenas salvavam as aparências daquilo que experimentos pareciam demonstrar, isso porque a ideia de uma ação-a-distância (na gravitação newtoniana, por exemplo) conta com um caráter metafísico bem conhecido na literatura científica. Críticos como Helmholtz e Hertz chegavam a se referir a este caráter metafísico como antropomórfico, remetendo a uma exagerada preocupação de Newton com os modos de percepção humanos. Já de um ponto de vista filosófico bem mais profundo, as relações entre modelos matemáticos e experimentos realizados em laboratório são até hoje um mistério. Ninguém sabe ao certo por que a matemática consegue salvar as aparências percebidas em processos de medição realizadas por físicos experimentais (até Einstein se dizia intrigado com esta relação formidável entre física e matemática). Ou seja, falta a Olavo de Carvalho a percepção da dúvida e da pluralidade de ideias, quando o assunto é mecânica newtoniana.
Há muitos outros trechos no artigo em questão que são igualmente assustadores. Mas prefiro agora caminhar para o segundo exemplo: teoria da relatividade de Einstein.
Nesta palestra AQUI, Olavo de Carvalho afirma que a Teoria da Relatividade de Einstein foi criada para salvar as aparências do Heliocentrismo. Ele chega a dizer que Einstein julgou que "era preferível modificar a física inteira só para não admitir que não havia provas do heliocentrismo". Para sustentar seu argumento, ele usa como referência a famosa experiência feita por Michelson e Morley, que indica que a velocidade da luz no vácuo é independente do observador (referencial). Para uma visão intuitiva e extremamente didática deste experimento, recomendo ao leitor este LINK. Olavo de Carvalho sugere ainda que a constância da velocidade da luz detectada por Michelson e Morley evidencia que a Terra é um referencial privilegiado (observador absoluto), o que daria suporte ao modelo geocêntrico.
Em primeiro lugar, a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein não se justifica a partir de um único experimento. Qualquer experiência (e são muitas!) realizada em aceleradores de partículas precisa levar em conta efeitos relativísticos de dilatação do tempo. Além disso, Einstein não modificou a física inteira (conforme afirma Olavo) e jamais teve essa pretensão. Pelo contrário, há motivações filosóficas em seu trabalho que claramente sustentam o seu compromisso com o conhecimento então vigente de física teórica. O fato é que as leis da Mecânica Newtoniana são Invariantes sob Transformações de Galileu. Já as Leis da Eletrodinâmica Clássica não são! As leis da eletrodinâmica clássica de Maxwell são invariantes sob Transformações de Poincaré (inconsistentes com Galileu). O que Einstein fez foi um processo de unificação entre mecânica e eletrodinâmica, criando a teoria da relatividade restrita, cujas leis são invariantes sob transformações de Poincaré e que, sob regime de baixas velocidades, apresenta uma equivalência (em escalas experimentais, sob margens de erro toleráveis) a certos aspectos da mecânica newtoniana. Ou seja, Einstein manteve a eletrodinâmica clássica intocável. Olavo de Carvalho deveria saber que a física não se resume à Mecânica.
Nessa mesma palestra, Olavo de Carvalho admite não entender a noção de Curvatura do Espaço-tempo (presente na Teoria da Relatividade Geral). No entanto, não hesita em criticar essa ideia também. O fato de ele não compreender uma ideia, parece ser justificativa suficiente para rejeitá-la. Isso por si só revela uma perigosíssima arrogância. Apesar de Olavo de Carvalho não mencionar explicitamente sobre a teoria da relatividade geral, discursa sobre curvatura do espaço-tempo, negando-a. Isso também revela uma grave desordem mental. Não sei se Olavo de Carvalho usa o Sistema GPS, para chegar de um ponto A a um ponto B. Mas se o fizer, estará caindo em uma armadilha criada por ele mesmo. Isso porque o sistema GPS aplica tanto a teoria da relatividade restrita quanto a geral para fazer correções de sincronia entre relógios na Terra e relógios em satélites artificiais que orbitam nosso planeta. Ou seja, maldizendo ou não Einstein, ele depende da obra deste físico alemão para saber onde está e para onde deseja ir.
A conclusão mais provável a que se chega é: Olavo de Carvalho demonstra claramente não ter a mais remota familiaridade com física a não ser, talvez, a partir de textos de divulgação científica destinados a leigos. No entanto, ainda assim insiste em opinar sobre temas da Física Moderna. Isso me faz questionar se há algum sentido em suas afirmações sobre outros temas, como história da religião e política. Portanto, o leitor deve ter muito cuidado com o que Olavo de Carvalho afirma. É óbvio que você deve aprender a filtrar qualquer informação que receba, seja de onde for. Isso não se aplica somente a Olavo de Carvalho, mas a qualquer pessoa. No entanto, Olavo de Carvalho demonstra o persistente hábito de opinar sobre o que não demonstra conhecer. Ele faz isso quando discute sobre o aquecimento global, o darwinismo e a história da ciência. Como filtrar ideias? Bem, não há um método efetivo para isso. Mas pensar e discutir com uma variedade grande de pessoas compromissadas com o conhecimento já ajuda, de preferência com estudiosos e/ou especialistas da área em discussão. Até um simples professor de física do Ensino Médio rechaçaria as arbitrariedades e absurdos de Olavo de Carvalho em matéria de física. Olavo de Carvalho assassinou a física, para não usar outro termo.
Não para por aqui! Tem mais pérolas olavianas!
Além de Olavo ter criticado fortemente a figura de Isaac Newton, vendo-o como uma fonte de "uma burrice formidável", e procurar refutar aspectos da mecânica newtoniana com argumentos filosóficos, e dizer que "a ciência de Galileu e Newton fazia pouco caso da observação da natureza, preferindo a construção de modelos matemáticos sem equivalência na realidade sensível", ainda fez a absurda proposta de incluir a astrologia como um ramo da ciência. Querer discutir sobre astrologia como ciência já chega a um absurdo gigantesco.
Olavo defende que a Inquisição não promoveu um atraso no desenvolvimento científico; no progresso da ciência. Isso é de uma ignorância histórica estarrecedora, digna de pena. Olavo vai ainda mais longe ao defender que "Galileu não foi condenado pela Inquisição por defender teorias científicas, mas por prática de feitiçaria, que na época era crime". Mais um absurdo digno de um analfabeto histórico.
Olavo também faz críticas à Revolução Copernicana, negando e refutando o heliocentrismo, o que é um absurdo, pois é irrefutável e inegável o fato que a Terra gira ao redor do Sol, e não o contrário. E ele ainda afirma, para o espanto de todos, que "no confronto entre geocentrismo e heliocentrismo não existe nenhuma prova definitiva de um lado nem do outro".
Olavo de Carvalho discorda que o aquecimento global seja causado pela ação humana, expressando a seguinte opinião: "Se algum dia houve algo como um "crime intelectual hediondo, foi esse". Afirmou que o Aquecimento Global é uma invencionice e uma falácia, chamando-o de fraude científica e alegando que alguns dos objetivos desta "fraude" eram: "orquestrar ataques a todos os cientistas adversários, questionando suas credenciais acadêmicas" e "boicotar sistematicamente as revistas científicas que publicassem estudos adversos à causa aquecimentista". (ver: Painel Não Governamental Internacional sobre Mudanças Climáticas. Quanto à resistência que suas ideias sofreram dentro da comunidade científica, chegou a afirmar: "Não conheço fanáticos mais irracionais do que os adeptos de teorias científicas". Ou seja, para ele os cientistas são "burros", inclusive Newton, Galileu e Einstein. Ou ainda, Olavo considera a Ciência como uma atividade irracional; feita por irracionais. Isso me lembra a Idade Média, em que o progresso científico-tecnológico era visto como "obra do diabo" e seus empreendedores eram vistos como "bruxos ou adoradores do diabo". Me parece que a mentalidade de Olavo estacionou na Idade Média e de lá não saiu!
Para maiores informações, veja AQUI.
Sinceramente, fico muito incomodado e preocupado quando vejo jovens e adultos idolatrando a figura de Olavo de Carvalho como "gênio", "sábio" ou "filósofo". Isto é um claro sintoma de desinformação, desconhecimento e alienação. Como dá credibilidade e veracidade à opinião de uma pessoa que não tem formação acadêmica em física e nem tampouco em filosofia? As pessoas que dão confiança e crença ao que este sujeito diz, estão sendo conduzidas ao erro, ao equívoco, a ignorância, a alienação e ao ridículo.
OBS: É importante enfatizar que Olavo de Carvalho não tem formação acadêmica e superior em filosofia, tampouco é filosófo. Olavo apenas estudou no Conjunto de Pesquisa Filosófica da PUC-RJ por três anos, mas não concluiu o curso. Depois ele foi exercer a profissão de jornalista, escritor, conferencista, ensaísta e astrólogo.
Termino este tópico com o pensamento do Papa Francisco: A desinformação é a mãe da ignorância.
Texto adaptado de Adonai Sant'Anna e Wikipédia.