Batman: Silêncio
Em Silêncio, Loeb explora o lado humano de Bruce Wayne, talvez mais perigoso e amedrontador do que qualquer vilão que ele já tenha lutado, aqui ele terá de confrontar seus medos, traumas, dores, ou seja, sentimentos, quase todos eles, inclusive a amizade. Porém não é só esta luta, os maiores e prediletos vilões estão presentes na história, entre eles, Coringa e Mulher-Gato (infelizmente essa foi a história que inspirou aquele filme horrível dela), mas o mais legal mesmo é que aqui Batman terá que encarar até o Superman pra resolver qualquer problema que há entre eles. Entretanto, ainda há outro vilão, o Silêncio, totalmente misterioso e ainda oculto, pois pode ser qualquer um dos personagens existentes na trama. A série pode ser traduzida em duas palavras: Confiança e traição, creio que isso já diz tudo. O roteiro de Loeb é fascinante!
Por natureza, este conto do Batman já é operístico, mas também pode ser visto como uma jornada profundamente pessoal que consegue tocar bastante o leitor. Como sabemos, Loeb escreve bastante sobre crimes e mistérios, mas não podemos negar que ele é adepto a injetar emoção na história. Junto de Lee, Loeb dá pequenas pinceladas que viram uma grande obra de arte. A arte de Lee contrasta com o desdobramento da história na cabeça do Batman, resultando em um estilo que acrescenta uma riqueza para os acontecimentos presentes na obra, que, talvez, não sejam tão evidentes em uma primeira leitura. Bruce é o narrador da história e à medida que ela vai acontecendo, o leitor consegue acompanhar os pensamentos do maior detetive do mundo, vemos o quanto a Bat-família é importante para o personagem e que ele não poderia sobreviver sem ela.
Nesta história, temos um misterioso vilão conhecido como "Silêncio" controlando um grupo bem famoso de vilões com o objetivo de derrotar Bruce Wayne. Porém, ele vai além, ao revelar-se, Silêncio consegue causar um efeito muito maior em Bruce Wayne, pois ele vai direto no núcleo do que o Batman é e representa para si mesmo e para aqueles ao redor dele. Família, como Batman diz, é uma "distração" ou um componente valioso para sua missão. Isso é explorado através da narração de Bruce Wayne que envolve um bom número de personagens.
O leitor acompanha Bruce em uma jornada bastante íntima, enquanto ele decide se permite que os outros membros da família se envolvam ou se ele os afastará para uma distância segura. Aqui, fica claro que Batman é um personagem gigante, ainda que por baixo do capuz, ele seja um homem como qualquer outro. Bruce tem problemas com intimidade, que são bastante conhecidos e explorados em outras obras, mas, como qualquer outro humano, ele tem relações mais próximas com outras pessoas, que possuem suas próprias complicações. Ao ver isto nessa obra, o leitor terá mais facilidade para compreender o personagem e sentir uma certa empatia. Apesar da profundidade psicológica, o material também é rico em ação. Você não ficará desapontado aqui, as habilidades de detetive e toda a destreza física do Batman são bem exploradas.
Loeb tem um talento para a elaboração de contos pessoais dos personagens, que conectam o personagem ao leitor enquanto a história avança. Através dos monólogos de Bruce, podemos mergulhar na cabeça do personagem, que está em um verdadeiro conflito sobre sua vida. Ele se pergunta o motivo de se tornar um “monstro da noite”, por ter se tornado “solitário”. Ele quer começar um relacionamento sério e tentar ser realmente feliz com alguém, conciliando isso com o fato de ter uma identidade secreta. Porém, chega um momento em que Bruce percebe que ele não é tão solitário assim. No funeral de seu amigo de infância, Tommy Elliot, Bruce pondera:
Eu vejo Dick e Tim.. e, de repente, minha vida parece bem mais preenchida.
São frases como essa que permeiam os monólogos de Bruce, convidando o leitor a acompanhar o crescimento pessoal que ele passa durante a história. Nesta obra, a luta pessoal é tão vital quanto a luta física, cada conflito proporciona entretenimento e iluminação.
Por cada momento ter um peso especial para a história, não temos cenas sem resolução. As cenas de luta servem para tecer as cenas de interação pessoal e evidenciar os laços estreitos entre os personagens (como podemos ver na conversa entre Bruce e o Superman). Loeb começa cada capítulo com um conflito (geralmente físico) e em seguida, avança para o mistério ou insere um flashback. Mas elas não são feitas em vão. Loeb usa cenas deste tipo para impulsionar a história e plantar sementes que irão demonstrar seus frutos mais tarde. Tudo se encaixa desde a primeira até a última página.
Flashbacks são importantes para a história. O roteiro e a arte se mostram bem interligados aqui. Os flashbacks são usados para mergulhar mais na história de Bruce Wayne e humanizar o homem que se fantasia de morcego. Cenas com Bruce e Tommy, enquanto crianças, transmitem o quanto os dois agiam como irmãos. Eles tinham muita coisa em comum e passaram por uma tragédia no começo de suas vidas. O uso de aquarelas nos flasbacks tem um efeito muito bonito, além de ser drasticamente diferente do que vemos no resto da obra. Em uma cena em que os pequenos Bruce e Tommy visitam Metrópolis, os dois se assustam de como a cidade é grande e brilhante comparada com Gotham City. A arte é feita com tons de cores mais discretos. A batalha acima, em que vemos o Lanterna Verde Alan Scott enfrentar um bandido, é vista com admiração pelas crianças. Porém Bruce e Tommy são punidos por ficarem vagando na cidade. Em um dos quadros mostrando as lembranças de Bruce, temos:
Não saímos do hotel durante todo o tempo que passamos na cidade. Ficamos grudados na janela, torcendo para ver algum outro herói, mas ninguém apareceu. Pouco tempo depois, meus pais morreram e mal vi Tommy outras vezes.
Loeb escolhe as palavras de Bruce com cuidado, cada uma delas contém um significado e poesia. No olhar de Bruce e Tommy, enquanto olham para a rua, o leitor pode ver uma sensação de desespero e desânimo. As obrigatórias cenas de luta com uma quantidade absurda de vilões poderiam se mostrar confusas, monótonas ou até mesmo feias. Mas Jim Lee dá um tom de balé para esses quadros. Em muitos capítulos, a página inicial é utilizada para expressar a grandeza e os momentos dramáticos que montam esta ópera. Os combates são mais sequenciais. Lee não mede esforços e entrega um ótimo trabalho.
Lee, além de criar grandes poses de combate, consegue dominar cenas que envolvem sutileza e comportamento. Um exemplo é quando vemos Bruce Wayne e Selina Kyle sem os uniformes. Na primeira cena, Bruce e Selina estão em uma ópera (o que é um belo toque de Loeb) e as duas páginas que Lee cria aqui, se espelham. Na primeira, no painel da esquerda, Selina está olhando para Bruce enquanto ele segura os binóculos e olha numa direção oposta. No painel da direita, o da segunda página, Selina agora segura os binóculos e põe a mão sobre o peito, enquanto Bruce está olhando para ela. Como o leitor sabe, enquanto a história progride, Batman está lutando contra um profundo desejo de se engajar em um relacionamento com Selina. Ela tem um olhar de curiosidade no rosto (bem apropriado para a história e a personagem) e esta emoção é bem trabalhada através da arte de Lee. Bruce, no entanto, olha para Selina com apreensão, mantendo uma certa distância. Tudo isso pode ser lido através dos olhos e da linguagem corporal dos personagens, sem necessidade de palavras.
Jeph Loeb e Jim Lee conhecem o Batman. Eles tentaram destilar a essência de quem Bruce Wayne é e tiveram sucesso de uma forma bastante especial. Suas habilidades superiores de detetive são postas em uso. Suas excepcionais habilidades físicas são bem retratadas. Uma boa parte da rica galeria de vilões do personagem é liberada de uma forma que é vital para a história. Dentre várias cenas épicas de ação, temos grandes cenas de puro amor entre Bruce e sua família. Uma cena que irá emocionar o leitor ocorre quando Bruce e Tim Drake (o Robin) resolvem um certo assunto com a Mulher-Gato. Quando Selina sai, o monólogo de Bruce diz algo a respeito de Tim:
Ele quer ser o maior detetive do mundo. E, pelo que vi até agora… ele vai conseguir.
Silêncio é uma obra-prima. O sucesso dessa trama foi tão grande que foi o principal motivo para que a dupla ainda ficasse um bom tempo comandando as mensais do personagem e para a aceleração dos projetos da DC (foi uma das coisas que permitiu que Batman Begins fosse feito), em outras palavras, é uma edição histórica pra qualquer fã do morcego.
Batman: Silêncio
Escrito por: Jeph Loeb
Arte por: Jim Lee
Tinta: Scott Williams
Cores: Alex Sinclair
Letras: Richard Starkings
Editora: DC Comics
Data da Publicação Original: 2002-2003Spoiler :Batman: Silêncio é uma das minhas HQs favoritas, e motivos pra isso não faltam. O enredo apresenta elementos muito interessantes, todos os pontos da história são bem amarrados, e o desenvolvimento deles também. Uma das minhas partes favoritas, se inicia quando Bruce vai até Metrópolis ainda nas primeiras páginas, entre outros motivos, a visitar Lois e Clark, neta parte suavemente ressalta-se a amizade de Bruce e Clark e o bom convívio entre os dois, fora é claro, um belo combate entre Batman e Superman, que seguindo todo o conjunto da trama, vai muito além de um quebra-pau qualquer. A história mescla com muita qualidade diversos elementos, passando também por diversos personagens como Superman, Mulher Gato, Coringa, Arlequina, Charada, Hera Venenosa, Talia Al Ghul e uma série de outros com muita maestria, todos tem seu momento e sua importância na trama. Como fã do Batman, Silêncio me agradou demais, muito também por explorar seu lado que poucos conhecem. Certamente é de uma leitura muito agradável.
Indicação do lesho: @Boruto Uzumaki
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