Então, Ben, se sua pergunta foi mais puxada ao ramo filosófico e psicológico, os quais, muitas vezes, se concentram no eu, e que geralmente se refere à fonte da consciência única em um ser unificado, eu diria que sim. Geralmente, o eu é visto como aquela coisa dentro de nós que pensa e toma decisões. Assim, mesmo quando eu não estou sendo eu mesmo, ainda considero que estou sendo eu. O silogismo utilizado aqui é o mesmo da mentira verdadeira: ao contar uma mentira, eu me considero verdadeiro comigo mesmo. Desde que esta afirmação não tome a forma de um axioma, está tudo bem.
Deixem-me divagar um pouco (só para variar xD): a mente não é um ser unificado. É uma máquina natural composta de várias partes. A mente tem muitos desejos, sentimentos e instintos diferentes. O nosso eu pessoal é uma construção da mente e da sociedade.
A mente usa a ideia do eu para que possa funcionar de forma centralizada. Ao se conceituar como uma entidade mais unificada e singular, a mente pode entender mais facilmente seus desejos e sentimentos. Em outras palavras, a mente constrói o eu para sintetizar todos os diferentes desejos, sentimentos e instintos na forma de um conjunto coerente, que ela usa para tomar decisões e racionalizar nossas decisões passadas. Por exemplo, parte de uma pessoa pode gostar e querer algo, enquanto outra parte desta pessoa não gosta e não quer essa mesma coisa; a mente pode entender essas partes conflitantes através da síntese conceitual e, assim, decidir sobre gostar ou não gostar desta coisa.
A sociedade e as outras pessoas também usam o conceito do eu para entender e interagir com um ser humano. Geralmente, é impossível e impraticável conhecer todos os diferentes sentimentos, desejos, instintos e influências que fazem com que um ser humano atue de certos modos e tome certas decisões. Para entender os seres humanos, nós os concebemos como pessoas singulares — com eus singulares. Por exemplo, seria possível que uma mulher humana
desejasse e não quisesse fazer sexo com um homem, e que ela concordasse e não concordasse com o sexo, mas seria incrivelmente difícil entender esses conflitos e julgar a situação; para ajudar com isso, concebemos a mulher como uma pessoa unificada e singular, que consente ou não consente.
A sabedoria básica também influencia a nossa ideia do eu. Como crianças relativamente imprudentes, temos uma ideia muito mais imediata de nós mesmos. Uma criança poderia pensar em si mesma, em um futuro distante, e a criança não a veria completamente como a mesma pessoa. Até certo ponto, todos nós fazemos isto, e é por isto que tomamos decisões que nos dão benefícios imediatos, mas que, a longo prazo, nos prejudicam. Exemplos? — Procrastinação, excesso de gastos e excesso de indulgência. À medida que envelhecemos e ganhamos experiência, devemos pagar as consequências de nossas escolhas de visão curta. Como resultado, aprendemos a nos comportar de uma forma mais sábia, mais longa. Aprendemos a pensar em nós mesmos como uma entidade de longa duração.
Graças à sabedoria, não nos definimos apenas como o corpo e os sentimentos que temos hoje, ou esta semana, ou mesmo este ano. Em vez disso, nós nos definimos como a semelhança fundamental entre o corpo e os sentimentos que temos durante toda a nossa vida... Nós não pensamos em nós mesmos como apenas os átomos ou a matéria em nosso corpo atual, mas, em vez disso, pensamos em nós mesmos como um padrão mais genérico e que permanece o mesmo, mesmo que todos os átomos e matérias em nossos corpos sejam substituídos.
A morte também influencia muito na maneira como definimos o eu — criando o limite de nossa longevidade.
Geralmente, a morte humana ocorre rapidamente e marca um grande ponto de viragem: onde o corpo humano perde a consciência de forma permanente. O corpo rapidamente deixa de funcionar e decaça. Todas as informações e pensamentos únicos armazenados no cérebro ou na "mente" humana são perdidos. Isso inclui memórias, percepções, personalidade e tal... E é por isto que o meu "motto" é a frase do anime "Serial Experiments Lain" — "Você só existe através de lembranças dos outros, o que não é lembrado nunca aconteceu."
Em resumo, a mente e a sociedade construem o eu para entender e interagir com aquilo que é humano, mas de forma prática e simplificada. A sabedoria faz com que vejamos o eu como algo mais do que um ser momentâneo. Usualmente, a morte nos faz ver o eu como os elementos de uma pessoa — que existe de forma correlacionada a morte, mas não além dela.
Felizmente, a nossa visão do eu é pouco clara e adaptativa. Ajustamos a nossa ambígua concepção do eu para lidar com novas situações.
Como nota: eu sei que o meu post está longe de ser informativo ou reflexivo como o habitual, e até peço perdão por isto, mas não estou tão inspirado ou particularmente disposto esta semana. Estou tomado de dores pelo o corpo inteiro e, ao contrário dos rumores, não sou nenhum masoquista... Apenas um jovem sádico, dono da alma de um velho chato, e que gosta de manuscritos satânicos.