Chesterton escreveu:Em tudo isso eu percebi que sou totalmente hostil a muitos
que se consideram liberais e humanitários. O suicídio não só
constitui um pecado, ele é o pecado. E o mal extremo e absoluto; a
recusa de interessar-se pela existência; a recusa de fazer um
juramento de lealdade à vida. O homem que mata um homem,
mata um homem. O homem que se mata, mata todos os homens;
no que lhe diz respeito, ele elimina o mundo. Seu ato é pior
(considerado simbolicamente) do que qualquer estupro ou atentado
a bomba, pois destrói todos os prédios; insulta a todas as
mulheres. O ladrão se satisfaz com diamantes; mas o suicida não:
esse é seu crime. Ele não pode ser subornado, nem com as
cintilantes pedras da Cidade Celestial. O ladrão elogia os objetos
que furta, quando não elogia o dono deles. Mas o suicida insulta a
todos os objetos da terra ao não furtá-los. Ele conspurca cada flor
ao recusar-se a viver por ela.
Não existe nenhuma criatura no cosmos, por mínima que seja,
para quem a sua morte não é um escárnio. Quando alguém se
enforca numa árvore, as folhas poderiam cair de raiva e os
pássaros fugir em fúria, pois cada um deles recebeu uma afronta
direta. Obviamente pode haver patéticas desculpas emocionais
para o ato. Geralmente as há para o estupro, e quase sempre para
o atentado a bomba. Mas quando se trata de esclarecer idéias e o
significado inteligente das coisas, então, na sepultura na
encruzilhada 12 e na estaca cravada no corpo, há muito mais
verdade racional e filosófica do que nas máquinas de suicídio do sr.
Archer. Há um significado no enterro à parte de um suicida. O
crime desse homem é diferente de outros crimes — pois torna até
os crimes impossíveis.
Mais ou menos na mesma época li uma solene bobagem de
algum livre-pensador. Dizia ele que um suicida era simplesmente o
mesmo que um mártir. A patente falácia desse texto ajudou-me a
esclarecer a questão. Obviamente um suicida é o oposto de um
mártir. Um mártir é um homem que se preocupa tanto com
alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal. Um
suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que
está fora dele que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma
coisa comece; o outro, que tudo acabe.
Em outras palavras, o mártir é nobre, exatamente porque
(embora renuncie ao mundo ou execre toda a humanidade) ele
confessa esse supremo laço com a vida; coloca o coração fora de si
mesmo: morre para que alguma coisa viva. O suicida é ignóbil
porque mão tem esse vínculo com a existência: ele é meramente
um destruidor. Espiritualmente, ele destrói o universo. E depois
me lembrei da estaca e da encruzilhada, e o estranho fato de que o
cristianismo mostrara esse rigor incomum para com o suicida. Pois
o cristianismo mostrara um ardente incentivo ao martírio.
Ortodoxia - Chesterton.
Muito hétero