Não queria reviver esse tópico, mas tenho mais algumas declarações a fazer. Sobre aquele assunto de feudalismo.
@ShinobinoKamiVocê falhou fatidicamente em, ao buscar comparativo histórico pro feudalismo, vir falar sobre as Treze Colônias da Norte-América. Há um outro exemplo mil vezes melhor, e que está bem abaixo do seu nariz. Ou logo abaixo de seus pés, melhor dizendo.
Há um, e único, exemplo real de feudalismo que foi implantado em uma colônia das Américas e que gera fortes consequências sociais até os dias de hoje.
O Feudalismo, muito embora tenha sido gradualmente abolido na Europa após o fim da Idade Média, acabou por ser implantado em um lugar do Novo Mundo. Sim, isso mesmo, em uma colônia das Américas, e por reis e nobres europeus. Um sistema de administração praticamente idêntico ao feudalismo.
As
Capitanias Hereditárias, implantadas pelos Reis de Portugal no Brasil pouco tempo após o descobrimento, eram quase que feudalismo puro. Eram grandes faixas retilíneas de terras que o rei doava aos nobres (Donatários).
Lógico que as Capitanias Hereditárias não possuíam todas as exatas mesmas características do feudalismo medieval - por exemplo, a econômica de subsistência rural e o militarismo - devido a todo o contexto de época; mas possuíam todas as exatíssimas características que estávamos discutindo nesse tópico: a noção de posse/propriedade e a ausência prática de Estado.
O feudalismo consistia exatamente nisso: o Estado, representado pelo monarca, não ter competência pra algo, e acabar cedendo na forma de propriedade pra ser cuidado aos interesses particulares de seus nobres da corte.
Foi por isso que o Reino de Portugal estava passando, dentre o período de expansão ultra-marina entre o fim do XVº e início do XVIº séculos. O país era geográfica e demograficamente pequeno, e todos os setores da sociedade, desde a alta burguesia até o aparato estatal do reino, já estavam demasiadamente ocupados com o comércio com as Índias e o Oriente.
As grandes possessões de terras recém obtidas nas Américas eram um desafio administrativo a Portugal, pelo tamanho, improdutividade e distância, além dos fatores já citados. Mas de qualquer forma, não queriam perdê-las.
Como seria trabalhoso demais pra Coroa de Portugal cuidar disso, o Rei acabou delegando a colonização do Brasil a interesses particulares. Foi aí que foram fundadas as Capitanias.
Cada uma daquelas enormes faixas de terras era praticamente um grande latifúndio, do qual o nobre donatário era dono. Os donatários tinham deveres para com a Coroa, é claro, como alguns tributos, além de terem que desenvolver as colônias com recursos próprios, e nenhum tostão vindo do reino. Mesmo assim houve interesse de membros da Baixa Nobreza de Portugal por esse empreendimento.
Por serem donos das terras das capitanias, os donatários podiam mandar nelas como quiserem. As capitanias não recebiam ordenações reais.
A realeza de Portugal achou que estimular a ambição de seus baixos nobres em serem os déspotas absolutos de grandes extensões de terras no Novo Mundo seria o suficiente pra mantê-las, mas não estavam de todo certos. Poucas capitanias deram certo, e a maioria delas faliram devido à falta de recursos privados dos baixos nobres.
Apesar das Capitanias Hereditárias em si não terem durado muito tempo, geraram fortes sequelas e consequências que duram até os dias de hoje.
Todos devem saber que o Brasil é um dos países com a pior concentração fundiária do mundo. Isso é consequência social das capitanias.
Somos um dos poucos países no mundo onde não existem limites pra possessão de terras.
Nos EUA, por exemplo, a Lei de Reforma Agrária foi assinada há quase duzentos anos, pelo próprio Lincoln. Lá há cota pra cada proprietário de terra, do quanto se pode ter, e estipulação de produção pra manter também.
Se você, por exemplo, perguntar a um americano oque ele acha de um latifundiário possuir tantas propriedades de terra que somadas são equivalentes em tamanho ao Estado da Califórnia, ele com certeza achará isso um absurdo.
Mas aqui, no Brasil, isso é totalmente normal. Já ouvi falar de um latifundiário que, somadas todas suas propriedades agrárias, dava quase o território do Estado de São Paulo. Já ouvi falar, também, que houve uma época não-muito-distante em que os coronéis poderosos do Maranhão já possuíram 80% das terras desse miserável Estado. Trágico...
Enfim, o Brasil é talvez o único país do mundo onde o feudalismo europeu, mesmo que bem indiretamente, gera sequelas até os dias de hoje. E nesse aspecto, de propriedade.